Para dançar Isadora, é preciso ser Isadora
"Você verá bailarinas do corpo de baile com a perna mais alta, com o alongamento melhor que a primeira bailarina, vai se perguntar porque ela ocupa um posto tão importante já que há outras melhores, mas na hora de fazer "Odette" é ela que te faz chorar, e você percebe que a diferença vai além de uma perna alta, onde ela é artista, dança e não faz ginástica no palco.
É ela que fora dos palcos não se envolve em confusões, fica nos ensaios extras, onde aquela que tem a perna alta, tem alongamento bom, um pé lindo prefere ir à praia aos sábados ao invés de ensaiar, onde sim, poderia ser primeira bailarina, mas o diretor de uma companhia não enxerga as bailarinas apenas quando estão de sapatilhas, mas também quando as tiram dos pés.
Primeira bailarina tem que encantar, tem que ser aquela que mesmo se estiver no corpo de baile vai se destacar das demais, tem que ser sair do ballet, mas não deixar o ballet sair de dentro dela, ser consciente que a fada que as crianças vêem no palco, elas não podem depois ver na rua com um copo de bebida nas mãos.
Se pensar em quer ser apenas primeira bailarina tem poucas chances de conseguir, mas se pensar em encantar quando dança para mil pessoas em um teatro da mesma forma quando dança para uma na praça, pode não só ser primeira bailarina, mas também servir de inspiração para o mundo."
Por Lucas Splint
E esse texto resume exatamente o que eu e mais um monte de gente sente. Margot Fonteyn não tinha as pernas mais altas, o melhor alongamento ou en dehors: ela simplesmente dançava com sua alma, mostrava seus mais íntimos sentimentos quando entrava num palco.
Posso dizer que vi isso quando, há algumas semanas, assisti Ana Botafogo dançar um solo de Isadora Duncan. Para quem não conhece, Isadora não era adepta das técnicas do ballet clássico e por isso dispensava sapatilhas ou tutus, dançando descalço e com túnicas leves. Em suas coreografias exaltava o poder da natureza, onde os sentimentos eram os elementos principais. Assim, para dançar Isadora é preciso incorporar Isadora, sê-la. E eu vi Ana Botafogo ser Isadora Duncan. Numa coreografia simples tecnicamente, mas cheia de emoção, onde é possível entender porque Botafogo foi primeira-bailarina por tanto tempo.
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