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Leituras dos últimos anos e uma retomada


É 2024. Eu nem lembro mais de 2018 e não sei ao certo porquê parei de atualizar meu blog. Não que eu fizesse para alguém ler, mas fazia pra mim mesma. Esse post traz a lista de leituras de 18, 19, 20, 22 e 23.

Nesse meio tempo eu fiz um mestrado, uma especialização, fiquei com bode de ler - por causa do mestrado e da especialização - e agora voltei a tomar gosto e consumir conteúdo sobre literatura.


2018

Na Minha Pele, Lázaro Ramos

Nossas Noites, Kent Haruf

A Elegância do Ouriço, Muriel Barbery

As Crônicas de Nárnia, C. S. Lewis (5 livros)

Tomates Verdes Fritos, Fannie Flagg

Marília Gabriela Entrevista - 10 anos de GNT

Você Vai Voltar Pra Mim e Outros Contos, Bernardo Kucinski

Kindred - Laços de Sangue, Octavia E. Butler

Profissões para mulheres e outros artigos feministas, Virginia Woolf

Gente Pobre, Fiódor Dostoiévski

O Capote, Nikolai Gogol

Sidarta, Hermann Hesse

Me Chame Pelo Seu Nome, André Aciman

O Diário de Frida Kahlo, Frida Kahlo

Frankenstein, Mary Shelley

O Útero é do Tamanho de um Punho, Angélica Freitas

O Duplo, Fiódor Dostoiévski

O Peso do Pássaro Morto, Aline Bei

Léxico Familiar, Natalia Ginzburg

Memórias da Transgressão, Gloria Steinem

Imprensa Feminina e Feminista no Brasil, Constância Lima Duarte

A Senhoria, Fiódor Dostoiévski

Feminismo em Comum, Marcia Tiburi

Olhai os lírios do campo, Érico Veríssimo

Uma história do feminismo no Brasil, Céli Regina Jardim Pinto

Sobre Fotografia, Susan Sontag

As Meninas, Lygia Fagundes Telles

Heroínas Negras em 15 Cordéis, Jarid Arraes

Noites Brancas, Fiódor Dostoiévski

Ciranda de Pedra, Lygia Fagundes Telles

Tu Não Te Moves de Ti, Hilda Hilst

Notícias: Manual do usuário, Alain de Botton

Niétotchka Niezvânova, Fiodor Dostoievski

Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha, Liudmila Petruchévskaia

Da guerrilha à imprensa feminista, Amelinha Teles, Rosalina Santa Cruz Leite

Achados e Perdidos, Stephen King

Três vezes Hilda: Biografia, correspondência e poesia, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu, Ana Lima 

Cecilio

Ousadas, Pénélope Bagieu

Propósito, Sri Prem Baba

Último Turno, Stephen King

Um Pequeno Herói, Fiódor Dostoiévski

Eu Receberia As Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, Marçal Aquino

As Últimas Testemunhas, Svetlana Aleksiévitch

Calibã e a Bruxa, Silvia Federici

A Sangue Frio, Truman Capote


2019

Carolina - Sirlene Barbosa, João Pinheiro

Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade - Heloisa Buarque de Hollanda, Várias autoras

Laços - Domenico Starnone

24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono - Jonathan Crary

O deus das pequenas coisas - Arundhati Roy

No Mundo dos Livros - Jose Mindlin

Choque de Cultura: 79 Filmes Pra Assistir Enquanto Dirige - Caíto Mainier, Daniel Furlan, David Benincá, Fernando Faiha, Juliano Enrico, Pedro Leite, Leandro Ramos, Raul Chequer

Cuba no século XXI: dilemas da revolução - Fabio Luis Barbosa dos Santos, Joana Salém Vasconcelos, Fabiana Dessotti

O Quinze - Rachel de Queiroz

Feminismo para os 99%: Um manifesto - Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya, Nancy Fraser

Minha coisa favorita é monstro - Emil Ferris

Estação Carandiru - Drauzio Varella

Sete anos bons - Etgar Keret

Redemoinho em dia quente - Jarid Arraes

Feminismo na atualidade: A formação da quarta onda - Jacilene Maria Silva

Profissão Repórter 10 Anos: Grandes Aventuras, Grandes Coberturas - Caco Barcellos

Prólogo, ato, epílogo: Memórias - Fernanda Montenegro, Marta Góes

Terra das Mulheres - Charlotte Perkins Gilman

Encarcerados - John Scalzi

Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas... - Clement Freud, George Saunders, James Kochalka, Jeanne Duprau, Jon Scieszka, Jonathan Safran Foer, Lemony Snicket, Neil Gaiman, Nick Hornby, Sam Swope


2020

O Fotógrafo - Volume 1 - Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert, Frédéric Lemercier

Mulherzinhas (Parte 1) - Louisa May Alcott

O que é lugar de fala? - Djamila Ribeiro

O amanhã não está à venda - Ailton Krenak

A mão esquerda da escuridão - Ursula K. Le Guin

Interseccionalidade - Carla Akotirene


2022

Outsider - Stephen King

O Caso Evandro: Sete acusados, duas polícias, o corpo e uma trama diabólica - Ivan Mizanzuk

Esperança feminista - Debora Diniz, Ivone Gebara

A Curva do Sonho - Ursula K. Le Guin

Entregas expressas da Kiki - Eiko Kadono

Todo dia a mesma noite: A história não contada da Boate Kiss - Daniela Arbex


2023

Jane Eyre - Charlotte Brontë

Filhos de Sangue e Outras Histórias - Octavia E. Butler

A filha perdida - Elena Ferrante

Correr: O Exercício, a Cidade e o Desafio da Maratona - Drauzio Varella


Atualizando com as leituras de 2024

Outra autobiografia - Rita Lee 
Daisy Jones & The Six - Taylor Jenkins Reid
O Castelo Animado - Diana Wynne Jones
Eu Terei Sumido na Escuridão - Michelle McNamara
Com sangue - Stephen King
Tempo de graça, tempo de dor - Frances de Pontes Peebles 
Floresta é o nome do mundo - Ursula K. Le Guin 
O Diário Secreto de Laura Palmer - Jennifer Lynch
Flood - Andrew Vachss
Aniquilação - Jeff Vandermeer 
Autoridade - Jeff Vandermeer
A Iha Sob o Mar - Isabel Allende
Aceitação - Jeff Vandermeer
Lois, a bruxa - Elizabeth Gaskell

Repeteco: um livro sobre as escolhas que fazemos



Todo mundo já teve a vontade de apagar um dia ou uma semana ruim e fazer tudo de forma perfeita, sem problemas. Em Repeteco, de Bryan Lee O’Malley e publicado pela Companhia das Letras, Katie teve um dia do cão: seu ex namorado apareceu no restaurante onde ela é chefe, uma funcionária se acidenta na cozinha, o seu romance com um colega de trabalho azeda e a reforma de seu novo negócio está um caos.

Katie tem a oportunidade de ajeitar as coisas quando uma garota aparece em seu quarto no meio da noite com uma alternativa: ela pode arrumar tudo o que deu errado e ter uma segunda chance. O problema é que Katie se enrosca cada vez nessas pequenas viagens que faz entre os mundos possíveis e isso só acaba trazendo mais problemas.

Com seu humor característico, Bryan Lee O’Malley aborda no quadrinho assuntos como relacionamentos amorosos, sucesso profissional, espiritualidade e amizade. O autor também escreveu a série Scott Pilgrim, que foi adaptada para filme em 2010, com Michael Cera no papel principal.

Além do humor presente na história, o narrador e a personagem principal interagem a todo momento, o que traz leveza à história e aproxima o leitor da trama, fazendo-o se perguntar: “E se fosse eu? Aproveitaria essa oportunidade?”.

O traço de Bryan Lee O’Malley auxilia na construção dessa atmosfera leve e divertida. Seus desenhos são simples, fazendo com que as personagens (principalmente Katie) se assemelhem às crianças. É um traço semelhante ao de Scott Pilgrim, e quem já conhece o quadrinho reconhecerá o estilo característico de O’Malley em Repeteco também.

A mensagem que a história propõe não é nova, mas é sempre bom relembrar que, às vezes, precisamos viver alguns momentos ruins para crescermos e amadurecermos.

“Enclausurado”: novo livro de Ian McEwan inova com feto narrador


Milhares de livros são contados por narradores já nascidos, adultos. Alguns fogem do comum, porém, enquanto Machado de Assis nos apresentou a um narrador defunto em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Ian McEwan faz exatamente o contrário: quem conta a história de Enclausurado (Companhia das Letras, 200 pág.) é um feto em seus últimos dias dentro da barriga.

A premissa de Enclausurado não é muito inovadora. A mãe do bebê, Trudy, planeja o assassinato de seu marido com seu amante, Claude. O feto ouve tudo e acaba se questionando qual seu papel em tudo aquilo. É cúmplice? Pode evitar de alguma forma que o crime aconteça?

Claramente inspirada em Hamlet de Shakespeare – observe os nomes dos personagens: Gertrudes e Trudy, Claudius e Claude -, a leitura vale mais pelo narrador do que pela trama. A sinopse da editora diz que Enclausurado “é uma amostra sintética e divertida do impressionante domínio narrativo de McEwan, um dos maiores escritores da atualidade”. Concordo. São as digressões e questões filosóficas e existenciais do bebê que tornam o livro bom.

O feto aprecia vinhos, é bem-humorado, divaga sobre como o pai e a mãe devem ser, maldiz Claude. Por não conhecer totalmente as personagens, o narrador vai construindo suas impressões junto com o leitor.

“No linguajar de minha mãe, espaço, sua necessidade de espaço, é uma metáfora retorcida, se não um sinônimo, de ser egoísta, malvada, cruel. Mas, espere, eu a amo, ela é a minha divindade e preciso dela. Retiro tudo o que disse! Falei por me sentir angustiado. Estou tão iludido quanto meu pai. É verdade. Sua beleza, distanciamento e determinação são inseparáveis”.

Além de lidar com o possível assassinato do pai, o bebê também sofre por causa do relacionamento sexual de sua mãe com o amante. Ele teme que os espermatozoides de Claude entrem em contato com ele, afetando sua inteligência, por exemplo. Divertido, mas perturbador.

Ao mesmo tempo, McEwan – que é inglês – aborda temas atuais como a crise de refugiados na Europa. Por exemplo, Trudy gosta de ouvir palestras e, por consequência, o bebê também ouve as constatações da palestrante para a humanidade. Se pode, até, traçar um paralelo entre a situação humana e a situação do bebê, que se sente incapaz de interferir no curso dos acontecimentos.

“A liberdade de expressão suprimida, a democracia liberal não mais o porto de destino, robôs roubando empregos, os direitos civis em combate feroz com a segurança, o socialismo em desgraça, o capitalismo corrompido, destrutivo e também em desgraça, nenhuma alternativa à vista”.

Enclausurado pode ser considerado um suspense, já que prende o leitor na resolução do crime, com toques cômicos e filosóficos. É um livro curto, que você devora em poucos dias, mas que continua ecoando depois que termina.

Leituras de 2017



Esse ano foram 55 livros lidos. 30 livros de autoras mulheres e 25 livros de autores homens. Consegui cumprir minha lista de 12 livros para 2017, que está relacionada abaixo junto com as outras leituras.

Janeiro
As boas mulheres da China, Xinran (Desafio Livrada!) 
Felizmente, o leite, Neil Gaiman
A Revolução dos Bichos, George Orwell (Meta do ano/Desafio Livrada!)
E Se Eu Fosse Puta, Amara Moira (Desafio Livrada!)
Estorvo, Chico Buarque
Os Meninos do Brasil, Ira Levin
Rita Lee: uma autobiografia, Rita Lee

Fevereiro
O Fim do Homem Soviético, Svetlana Aleksiévitch
A Hora da Estrela, Clarice Lispector (Meta do ano/Desafio Livrada!)

Março
Os Monólogos da Vagina, Eve Ensler
História do Novo Sobrenome, Elena Ferrante (Desafio Livrada!) 
Minha Vida de Menina, Helena Morley (Meta do ano)

Abril
O Homem do Castelo Alto, Philip K. Dick (Meta do ano)
Curso Básico de Teorias da Comunicação, Vera França e Paula G. Simões

Maio
Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus (Meta do ano/Desafio Livrada!)
Me Diga Quem Eu Sou, Helena Gayer

Junho
Como Ser Mulher, Caitlin Moran
Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley (Meta do ano)

Julho
Crianças Dinamarquesas, Jessica Joelle Alexander e Iben Dissing Sandahl
Olhos d'água, Conceição Evaristo (Meta do ano/Desafio Livrada!)
Os Jornalistas, Balzac (Meta do ano)
Jóias de Família, Zulmira Ribeiro Tavares 
Quase Memória, Carlos Heitor Cony 

Agosto
História de Quem Foge e de Quem Fica, Elena Ferrante

Setembro
O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë (Meta do ano/Desafio Livrada!)
Vozes de Tchernóbil, Svetlana Aleksiévitch 
Nimona, Noelle Stevenson

Outubro
Os Miseráveis, Victor Hugo (Meta do ano) 
O Conto da Aia, Margaret Atwood 
Mr. Mercedes, Stephen King
O Mundo é Mágico, Bill Watterson
Introdução ao Budismo, Geshe Kelsang Gyatso
A Ditadura Envergonhada, Elio Gaspari (Meta do ano)
Ligeiramente Fora de Foco, Robert Capa 
História da sua vida e outros contos, Ted Chiang
Bloodchild, Octavia E. Butler (conto) 

Novembro
O Planeta dos Macacos, Pierre Boulle
O Escolhido Foi Você, Miranda July 
Pangeia, Gabrielle Albiero e Luiza Aguiar
Mago e Vidro - A Torre Negra vol. IV, Stephen King (Meta do ano)
Ponciá Vicêncio, Conceição Evaristo 
O Horla, A Cabeleira, A Mão, O Colar, Guy de Maupassant
Turma da Mônica: Laços, Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi 

Dezembro
História da Menina Perdida, Elena Ferrante 
Frango com Ameixas, Marjane Satrapi
Baseado em Fatos Reais, Delphine de Vigan (Desafio Livrada!)
Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe (Desafio Livrada!)
As Nuvens, Aristófane (Desafio Livrada!)
Saramago - Biografia, João Marques Lopes (Desafio Livrada!)
Vidas Muito Boas, J.K. Rowling 
Matilda, Roald Dahl 
Caro Michele, Natalia Ginzburg 
Bufólicas, Hilda Hilst (Desafio Livrada!)
Os Homens que Não Amavam as Mulheres, Stieg Larsson
Norwegian Wood, Haruki Murakami (Desafio Livrada!)
Outros Jeitos de Usar a Boca, Rupi Kaur


Livro mais longo: Os Miseráveis (1512 páginas)
Livro mais curto: Bloodchild (31 páginas)

Países
Brasil: 15 livros
Estados Unidos: 10 livros
Reino Unido: 7 livros
França: 5 livros
Itália: 4 livros
China, Bielorrússia e Canadá: 2 livros
Dinamarca, Hungria, Alemanha, Portugal, Suécia, Japão, Irã e Grécia: 1 livro 


Werther e Norwegian Wood: dois livros sobre suicídio



Os livros Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, e Norwegian Wood, de Haruki Murakami, fazem parte do Projeto Lendo o Mundo.

As duas últimas leituras que fiz para o Projeto Lendo o Mundo acabaram tendo temáticas parecidas. Para a Alemanha, escolhi Os sofrimentos do jovem Werther, livro sobre o qual ouvi falar no colegial. A única informação que mantive em mente era que as pessoas se matavam depois de ler o livro. Bem leve, hein?

Romance epistolar, o livro foi publicado em 1774, sendo um espelho da vida e dos costumes burgueses europeus. Werther, longe de sua família, comunica-se com Whilhelm através de cartas. Nela, ele conta como está apaixonado por Charlotte e muito triste por ela estar noiva de Albert. 

Durante vários momentos me peguei lendo e sentindo um aperto no peito por conta do sofrimento do personagem. Ao mesmo tempo, queria sacudir a Charlotte e fazê-la parar de iludir Werther. 

Para o Japão, o livro lido foi Norwegian Wood, do escritor Haruki Murakami. Publicado em 1987, vendeu 4 milhões de cópias só no Japão e alçou Murakami à condição de ícone cultural. No romance, conhecemos a história do estudante Toru Watanabe, na Tóquio do fim dos anos 60 e começo dos anos 70. O personagem - que também é o narrador do livro - mora em um alojamento estudantil só para homens e tem sua vida marcada pela morte de pessoas próximas. Seu melhor amigo, Kizuki, comete suicídio aos 17 anos e, mais para frente, ele reencontrará Naoko, a namorada de Kizuki. Marcada pela perda do namorado, Naoko sofre de transtornos psicológicos, fato que aproximará mais os dois.

Os dois livros tratam do suicídio. No primeiro, Werther sofre por amor, não aguenta viver vendo a mulher amada com outro homem. No segundo, várias personagens passam por esse questionamento frente à vida. A maioria delas está na fase de transição para a vida adulta, com seus 20 anos, assim como o jovem Werther, de Goethe. Na época em que Norwegian Wood se passa, a atmosfera política no mundo também era tensa e isso refletia na forma como os jovens viviam e enfrentavam o futuro.

Sobre os autores
Johan Wolfgang von Goethe foi autor e estadista alemão. É uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu. Com Friedrich Schiller, foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang.
Com Os sofrimentos do jovem Werther, tornou-se famoso em toda a Europa. Sua obra-prima é o drama Fausto, publicado em fragmento em 1790, depois em primeira parte definitiva em 1808 e numa segunda parte em 1832, ano de sua morte.

Haruki Murakami nasceu em Kyoto, em 1949. Escreveu o seu primeiro romance - Ouça a canção do vento - em 1979, mas seria em 1987, com Norwegian Wood, que o seu nome se tornaria famoso no Japão. Influenciado pela cultura ocidental, Murakami traduziu para o japonês obras de F. Scott Fitzgerald, Truman Capote, John Irving e Raymond Carver.

Outros autores alemães
Thomas Mann: A Montanha Mágica
Herman Hesse: Demian, Sidarta
Ingo Schulze: Vidas Novas
Wladimir Kaminer: Balada Russa
Andrea Maria Schenkel: Tannöd
Thomas Brussig: O Charuto Apagado De Churchill
Siegfried Lenz: Minuto de Silêncio
Juli Zeh: Juncos
Petra Hammesfahr: Um plano quase perfeito
Daniel Kehlmann: A medida do mundo
Robert Löhr: A manobra do rei dos elfos

Outros autores japoneses
Yukio Mishima: Confissões de uma Máscara; Mar Inquieto
Hiromi Kawakami: A Valise do Professor, Quinquilharias Nakano
Yoko Ogawa: Hotel Íris 
Yasunari Kawabata: O País das Neves  
Banana Yoshimoto: Kitchen; Tsugumi; Lua-de-mel
Hitomi Kanehara: Cobras e Piercings 
Genichiro Takahashi: Sayonara, Gangsters
Ryu Murakami: Miso Soup
Koushun Takami: Battle Royale

O Escolhido Foi Você, Miranda July


Em 2009, em plena recessão nos Estados Unidos, a multiartista Miranda July se viu presa em um bloqueio criativo. Ela trabalhava no roteiro de seu próximo filme, “O Futuro”, quando passou a prestar mais atenção em um jornal de anúncios que chegava toda terça-feira em sua casa, o PennySaver. Foi nele que July encontrou uma forma de passar o tempo, uma vez que o roteiro não ia para frente.

Acompanhada de seu assistente Alfred e da fotógrafa Brigitte Sire, July começou a ligar para os anunciantes e marcar entrevistas. O projeto resultou no livro “O Escolhido Foi Você”, publicado em 2013 pela Companhia das Letras.

A autora fez perguntas como “Qual é a sua lembrança mais antiga?”, “Como você passa o seu tempo?”, “Quais são seus planos para o futuro?”, “Qual foi a parte mais estranha da sua vida até agora?” para pessoas com histórias de vida completamente diferentes. A primeira pessoa que Miranda entrevistou foi Michael, ex-mecânico de 60 e poucos anos, que vendia uma jaqueta de couro por dez dólares. Ao chegar ao apartamento, Miranda descobriu que Michael estava passando por uma transição e era transexual. 

“Agora, quando eu olhar para esse prédio, vou saber que Michael está lá, vivendo de sua aposentadoria, curtindo a vida e desejando apenas uma última coisa - transformar-se em mulher.”

Cada ser humano é um universo
Ao entrar em contato com essas pessoas, a autora conhecia universos novos. Cada pessoa carrega suas experiências, medos e mágoas consigo. São capazes de passar um pouco de sua vida para os outros, mesmo em um contato breve. 

Primila, que vendia roupas indianas, queria compartilhar o máximo que conseguisse sobre sua vida. Contou para Miranda sobre sua irmã que morreu de câncer e deixou quatro filhos para ela criar, dos gatos que apareceram dentro em sua casa depois de terem nascido no sótão e escorregado por entre as paredes, e de seu trabalho no hospital.

“Ocorreu-me que a história de cada pessoa interessa demais a ela própria, então quanto mais eu ouvia, mais ela queria falar.”

Entre as entrevistas, July pontua reflexões que apareceram depois daqueles encontros. São questionamentos sobre a vida, seu trabalho como diretora e artista e também sobre a sociedade conectada via internet.

O que une todos esses personagens é o fato de eles não terem computador ou acesso à rede. “Pensei que, se usassem computador, estas pessoas não anunciariam no jornalzinho, mas na internet. E isso se confirmou. Eram pessoas analógicas, talvez as últimas que existem por aí. Fico assustada com o tamanho que o computador tomou na vida de cada um, sobretudo na minha”, exprime em entrevista por Skype para a Folha de S. Paulo.

O start para esse pensamento se dá depois que ela conhece Matilda (que vendia pelúcias dos Ursinhos Carinhosos) e Domingo, seu irmão, que colecionava e fazia colagens de fotos com pessoas e objetos que encontrava em revistas, principalmente. Ele inventava uma vida nova para si a cada colagem que fazia. A partir daí percebe-se que essas pessoas despertam a curiosidade de quem está conectado o tempo todo. Quem são essas pessoas que ainda anunciam em um jornalzinho em tempos de internet?

“A maior parte da vida está off-line e acredito que sempre estará; comer, sentir dor, dormir, amar são coisas que acontecem no corpo. Mas não é impossível me imaginar perdendo o interesse por essas coisas; elas nem sempre são fáceis, e tomam muito tempo. Daqui a vinte anos, estarei entrevistando o ar, a água, o calor, só para me lembrar de que um dia eles tiveram importância.”

Joe e Carolyn
Nas duas últimas entrevistas, vemos o projeto de July se ligar com o roteiro de seu filme. Depois de visitar Dina, que vendia um secador de cabelo, a autora tem a ideia de usar as pessoas que encontrou a partir dos anúncios em seu filme. Com Dina, a experiência não dá certo, por isso Miranda decide fazer uma última entrevista com Joe, um senhor de 81 anos que vende cartões de Natal artesanais.

Ex-pintor de casas, Joe vive com sua mulher, Carolyn, há 62 anos. Os dois se conheceram no dia 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, e desde então escrevem cartões um para o outro. Durante a vida, os dois tiveram vários animais de estimação. Todos estão enterrados no quintal da casa deles, onde vivem desde a década de 70. 

De olhos azuis e semblante cativante (que pode ser visto pelos leitores nas fotografias de Brigitte Sire), Joe acaba participando do filme, que estreou em 2011. Em decorrência de um câncer, ele morre pouco tempo depois das filmagens. É a ele e à Carolyn que o livro é dedicado.



Todas as pessoas com quem Miranda July teve contato durante esse período foram essenciais para o processo de criação de seu filme. A partir de suas vidas, July conseguiu extrair a essência daquele momento: pessoas desconectadas que vivem, em sua maioria, com aposentadorias ou ajuda do Serviço Social depois da crise econômica de 2008.

“Quase doeu me lembrar de que Joe e Carolyn eram parte do mundo, cercados por um número infinito de histórias simultâneas. Imaginei que aquela era uma das razões pelas quais as pessoas se casam, para fazer uma ficção que pudesse ser contada. Não eram só os filmes que não conseguiam absorver um elenco de personagens; nós também. Precisávamos peneirar a vida para saber onde colocar nosso carinho e atenção, e aquilo era uma coisa boa e doce. Mas, em conjunto ou isolados, estávamos ainda incrustados num caleidoscópio, impiedosamente variado e contínuo, até o fim do fim.”

Lendo o Mundo: Vozes de Tchernóbil e os relatos sobre a maior catástrofe nuclear da história



Vozes de Tchernóbil faz parte do Projeto Lendo o Mundo.

Em 26 de abril de 1986, à 1h, uma série de explosões destruiu o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Atômica de Tchernóbil, situado na Ucrânia, próximo à fronteira da Bielorrússia, país em que Svetlana Aleksiévitch, autora de Vozes de Tchernóbil, viveu a maior parte de sua vida.
Primeiro livro da autora lançado no Brasil pela Companhia das Letras, Vozes é um conjunto de relatos crus e realistas sobre os acontecimentos que se seguiram após a explosão. Svetlana começa sua narrativa com o relato de Liudmila Ignátienko, mulher de um dos bombeiros chamados para apagar o incêndio na Central. Toda a brigada saiu com as roupas que tinham no corpo, sem nenhuma proteção. Não sabiam a gravidade do incêndio. Mesmo grávida, Liudmila subornou guardas e conseguiu entrar no hospital para cuidar de seu marido. Os bombeiros foram levados para Moscou e morreram 14 dias após o acidente, devido às altas doses de radiação.
A voz feminina é muito presente no livro, tanto por conta das inúmeras mulheres que perderam seus pais, mães que perderam seus filhos, cientistas que falam sobre o assunto. São as pessoas que participaram da tragédia e ficaram. Como nas guerras, muitas mulheres sobreviveram e puderam contar suas histórias.

“A minha filhinha me salvou. Recebeu todo o impacto radiativo, foi uma espécie de receptor desse impacto. Tão pequenininha. Uma bolinha. (Suspira.) Ela me salvou. Mas eu amava os dois. Será… Será possível matar com o amor? Com um amor como esse! Por que andam juntos, amor e morte? Estão sempre juntos. Alguém pode explicar? Alguém tentaria? Eu me arrasto sobre a tumba de joelhos…”

O governo soviético não queria que o pânico se espalhasse e, assim, faltavam informações aos moradores das áreas próximas à Central. A cidade Pripyat, a quatro quilômetros de Tchernóbil, teve que ser totalmente evacuada e hoje recebe turistas que visitam os prédios abandonados e totalmente tomados pela natureza. Construída na década de 70, Pripyat era uma cidade moderna, as pessoas que trabalhavam lá recebiam um salário maior do que trabalhadores de outras regiões. Era o milagre da energia nuclear.

Grupo de liquidadores em 1988. Fonte: The Chernobyl Gallery 

Várias aldeias também foram evacuadas, inclusive fora da Ucrânia. Na Bielorrússia, com uma população de 10 milhões de habitantes que trabalhava predominantemente em propriedades rurais, foram 485 aldeias perdidas depois de Tchernóbil. Setenta estão sepultadas sob a terra.
O sepultamento de casas, entre outras atividades, era feito pelo chamados “liquidadores”, pessoas convocadas pelo governo soviético para limpar a área próxima do reator (ou nem tão próxima assim). Cerca de 600 mil pessoas foram chamadas e expostas a altos níveis de radiação.

“Enterrávamos terra na terra. (...) Ninguém podia entender aquilo. Segundo as instruções, o enterramento deveria se realizar depois de uma prévia exploração geológica, de modo que as águas subterrâneas estivessem a uma profundidade de quatro a seis metros abaixo da vala e que as paredes e o fundo da vala fossem cobertos por plástico. Mas essas eram as instruções. Na vida as coisas são diferentes, claro. Como sempre. (...)
Apontavam com o dedo:
‘Aqui, cave’. E a escavadeira cavava.
‘Qual a profundidade cavada?’
‘O diabo é quem sabe. Se aparecer água, eu largo tudo do mesmo jeito’.
Descarregavam diretamente nas águas subterrâneas.”

Átomo da guerra e átomo pacífico
O acidente em Tchernóbil aconteceu alguns anos antes da queda da União Soviética (1991), o que contribuiu para que algumas pessoas pensassem que a explosão no reator foi feita por agentes da CIA, por exemplo.
Uma ideia que contribuiu para o surgimento de teorias da conspiração foi a de que o átomo da energia nuclear era diferente do átomo da bomba atômica. A informação chegava a pessoas mais instruídas. Os camponeses das aldeias próximas à usina não sabiam que se tratava da mesma substância e dos perigos que uma explosão na usina poderia causar.
Para muitos moradores que foram evacuados a informação de que suas casas estavam contaminadas não fazia sentido. Para eles, não ver a radiação significava que ela não existia. Até hoje algumas pessoas moram em aldeias próximas a Pripyat, apesar dos altos níveis de radiação.

“Mesmo envenenada pela radiação, esta é a minha terra. Não somos mais necessários em lugar nenhum. Até os pássaros preferem os seus ninhos.”
Comparação da paisagem de Tchernóbil, antes e depois do acidente.

Em um dos relatos, Svetlana nos apresenta um pai que fugiu da guerra do Afeganistão (1979–1989) e foi para uma região contaminada. Enquanto uns eram retirados de suas casa por conta da radiação, outros temem tanto a guerra que vão de encontra à catástrofe. Para ele nada era pior do que o sofrimento causado pela guerra. Quando questionado sobre o que estava fazendo com seus filhos, levando-os até uma região contaminada, ele disse:  “Eu não estou matando as crianças, estou salvando-as.”

Ser soviético
Assim como em outros livros da autora, o leitor se depara muito com a questão do que é ser soviético, um sentimento um tanto complicado de entender, que perpassa a questão política. Todo o povo soviético era - e ainda é - muito ligado à terra. Se pensarmos antes da União Soviética, aquela região sempre foi predominantemente agrária. 
Por isso, antes de irem defender a URSS, eles acreditavam que defendiam a terra deles. Por outro lado, em muitos relatos os moradores dizem que tinham uma sensação de dever de ajudar a evacuar a região, enterrar objetos, matar animais e fazer tantas outras tarefas delegadas a eles, não importando os riscos que correriam.

“O socialismo soviético. O homem entregava ao Estado a alma, a consciência, o coração, e em troca recebia uma ração.”
“(...) Tchernóbil é também uma grande experiência para o nosso espírito, para a nossa cultura.”

Uma característica do governo soviético, que também aparece em outros livros da autora, é a corrupção enraizada em várias escalas de poder, desde os chefes das aldeias até o mais alto governante.  

“Um presidente de colcoz traz uma caixa de vodca para a unidade dos dosimetristas e pede para que a sua aldeia não seja incluída na lista dos locais a ser evacuados; e outro, também com uma caixa de vodca, pede, ao contrário, que a sua aldeia seja evacuada. Quanto a este, já havia recebido a promessa de um apartamento de três cômodos em Minsk. (...) Enfim, o caos russo de sempre.”

Outra voz solitária
Como o primeiro relato do livro, o último também é de uma mulher que perdeu seu marido devido à catástrofe: Valentina Timofiéevna Apanassiévitch, esposa de um liquidador. É uma outra voz solitária que fala sobre o amor. Valentina ficou ao lado do marido, cuidou dele quando ninguém mais queria se aproximar. Várias vezes ela chamou médicos e enfermeiros, mas eles não passavam da porta, com medo de serem contaminados.

“Falam de Tchernóbil, escrevem sobre Tchernóbil. Mas ninguém sabe o que é. Aqui, agora, tudo é diferente: nascemos e morremos de outro modo. Não mais como os outros. Você me perguntará como morrem depois de Tchernóbil. Um homem que eu amava, que queria de uma maneira que não poderia ser maior se eu mesma o houvesse parido, esse homem se converteu diante dos meus olhos num… num monstro.”

Não é por acaso que Svetlana ganhou o Nobel de Literatura de 2015 pelo conjunto de sua obra. Sem seu trabalho, essas vozes solitárias continuariam silenciadas, tão solitárias quanto já são. Uma parte da História ficaria desconhecida, sem as histórias das testemunhas da catástrofe.

“Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Eu quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem. 
(...)
Algumas vezes, parece que estou escrevendo o futuro...”

A autora
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Svetlana Aleksiévitch nasceu na Ucrânia em 1948. A jornalista e escritora refinou ao longo de sua obra uma escrita única, desenvolvida a partir da observação da realidade e ostentando as melhores qualidades narrativas da tradição da literatura em língua russa. Recebeu em 2015 o Nobel de literatura. Já foram publicados no Brasil, além deste livro, “A Guerra não tem Rosto de Mulher” e “O Fim do Homem Soviético”, todos pela Companhia das Letras.


Lendo o Mundo: As Boas Mulheres da China, Xinran

As Boas Mulheres da China faz parte do Projeto Lendo o Mundo.


Em As Boas Mulheres da China (Companhia das Letras, 2007, R$27,90) a jornalista Xinran reúne relatos de chinesas que ligavam para seu programa de rádio Palavras na brisa noturna para contar suas histórias ou de mulheres que Xinran foi encontrando durante o período. A primeira história, por exemplo, chega a ela por meio de cartas e um diário que são deixados na redação.
A maioria das histórias é de mulheres que viveram durante o período da Revolução Cultural, implantada pelo presidente Mao Tse Tung entre 1966 e 1976. No comando desde 1949  e insatisfeito com seu próprio plano de governo, Mao tinha quatro objetivos, segundo o cientista político Kenneth Lieberthal, do Centro de Estudos Chineses da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos: corrigir o rumo das políticas do Partido Comunista Chinês, substituir seus sucessores por líderes mais afinados com o que pensava, assegurar uma experiência revolucionária à juventude chinesa, e tornar menos elitistas os sistemas educacional, cultural e de saúde. No período, o governo perseguiu intelectuais, professores e antigos membros do Partido; e criou grupos armados, os chamados Guardas Vermelhos. 
Dentro desse contexto é possível imaginar de que forma as mulheres estavam inseridas na sociedade. Há relatos de casamentos arranjados no período da Revolução Cultural; uma garota, Shilin, que é separada de sua família por questões políticas e fica mentalmente doente; garotas abusadas sexualmente por Guardas Vermelhos.

“Desde a sociedade matriarcal no passado remoto, a posição da mulher na China sempre fora a de nível mais baixo. Ela era classificada como objeto, como parte da propriedade, dividida como a comida, as ferramentas e as armas. Mais tarde foi autorizada a ingressar no mundo do homem, mas só podia existir aos pés dele (...). A história da China é muito longa, mas faz muito pouco tempo que as mulheres têm a oportunidade de se tornar elas mesmas e que os homens começaram a conhecê-las”. (p. 60)

Além de histórias marcadas pela Revolução Cultural, o livro mostra como a interação das mulheres com a sociedade e entre elas mesmas foi se modificando com o tempo. Xinran trata da relação das várias gerações de mulheres; jovens que trabalham como acompanhantes de grandes empresários para pagar os estudos; a relação da mulher com a religião; e passa até pela questão da homossexualidade.
Ao mesmo tempo, Xinran discorre sobre sua profissão. Ser jornalista na China quer dizer seguir o que o governo manda. Muitos assuntos, como a homossexualidade, são proibidos. Xinran não poderia demonstrar isso para seus ouvintes, por exemplo. Também era comum os jornalistas participarem de seminários de estudos políticos.

“Os princípios e o significado político das notícias eram repetidos incessantemente, e nenhuma aula estava completa sem alguma condenação de colegas por transgressões diversas: não anunciar os nomes dos dirigentes na ordem hierárquica correta num programa, fazer um comentário que tenha revelado incompreensão da propaganda do Partido, desrespeitar os mais velhos, não informar o Partido sobre um caso amoroso, comportar-se com ‘impropriedade’.” (p.103)

Dessa forma, a história de Xinran também se mistura com as das outras mulheres retratadas. Em um dos últimos capítulos ela discorre sobre sua infância e como foi e é sua relação com seus pais.
O último capítulo é crucial para a publicação do livro. Nele, Xinran conta o que encontrou quando foi visitar uma comunidade localizada na Colina dos Gritos. Os moradores não fazem ideia de como é a vida nas cidades, não há a menor perspectiva de mudar de condição social e ir para outros lugares. Uma das observações mais desconcertantes - tanto para a autora quanto para o leitor - é a de que as mulheres andam com as pernas abertas porque utilizam uma folha muito grossa como absorvente e acabam com as coxas em carne viva. Além disso, as mulheres sofrem do chamado “útero caído” devido a gravidezes sucessivas e vários partos. Elas são “usadas” por seus maridos e, para Xinran, contar a elas sobre como é a vida fora dali seria pior. Não saber que há uma vida melhor as faz sofrer menos. Depois dessa experiência, a autora decide se mudar para a Inglaterra, o que possibilita a publicação do livro.
Ao longo do livro, é possível refletir sobre algumas questões como: O que é ser uma boa mulher? É bom quando dizemos que uma mulher é forte?. Essa segunda questão aparece em um capítulo em que Xinran visita um orfanato criado por mães que perderam seus filhos. A primeira impressão que se tem é de que são mulheres guerreiras, fortes, que aguentam todas as adversidades da vida com a cabeça erguida. No fundo, são pessoas que sofrem com a perda de seus filhos todos os dias. Exalta-se a mulher forte como se suas fraquezas não pudessem existir, como se as dores e os sofrimentos remetessem a uma ideia de fragilidade que se tenta extinguir. 

“Sou uma dessas pessoas que são fortes na frente dos outros, uma fortaleza entre as mulheres, mas quando estou sozinha, choro a noite inteira - pela minha filha, pelo meu marido, pelo meu filho e por mim. Às vezes não consigo respirar, tamanha é a saudade que sinto deles. Há quem diga que o tempo cura tudo. A mim não curou.” (p. 95)

As Boas Mulheres da China é mais que um compilado de relatos, é um retrato das meninas e mulheres chinesas, seus anseios, medos e esperanças - mesmo em meio a tantas lágrimas - para o futuro.

A autora
Xinran nasceu em Pequim, China, em 1958. Trabalhou como jornalista e radialista. Hoje é escritora, colunista do jornal The Guardian e professora na School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres. 
Além de As Boas Mulheres da China, tem cinco livros publicados no Brasil, todos pela Companhia das Letras: Enterro Celestial, O que os Chineses não Comem, As Filhas Sem Nome, Mensagem de uma Mãe Chinesa Desconhecida, Testemunhas da China.

Outros autores chineses para conhecer
Yu Hua: Viver; Irmãos; Crônica de um Vendedor de Sangue
Jung Chan: Cisnes Selvagens
Dai Sijie: Balzac e a costureirinha chinesa
Gao Xinjian: A Montanha da Alma
Ha Jin: A Espera; O ensandecido; Refugo de Guerra
Chan Koonchung: Os anos de fartura
Ma Jian: Pequim em Coma; A cozinha da revolução
Su Tong: A mulher que chora
Yan Lianke: A serviço do povo
Ting Xing Ye: Meu nome é número 4

Desafio Livrada! 2017


Depois de participar do Desafio Livrada! do ano passado, vamos à lista de 2017! Todo ano o Yuri, do blog e canal Livrada!, solta o desafio. Para 2017 são 15 livros, sendo que um deles é o Yuri quem escolhe e todo mundo lê. Vamos lá?

1- Um vencedor do Jabuti
A Hora da Estrela, Clarice Lispector ✓ 

2- Um livro japonês
Norwegian Wood, Haruki Murakami 

3- Um livro que explore o erotismo
Trópico de Câncer, Henry Miller  Bufólicas, Hilda Hilst ✓ 

4- Um roman à clef
A Revolução dos Bichos, George Orwell 

5- Um livro com um protagonista detestável 
Reprodução, Bernardo Carvalho  Baseado em Fatos Reais, Delphine de Vigan 

6- Um livro triste
Olhos d'água, Conceição Evaristo 

7- Um autor que você já conheceu pessoalmente
E Se Eu Fosse Puta, Amara Moira 

8- Um livro com engajamento político
As boas mulheres da China, Xinran 

9- Um livro que você ganhou de um amigo
Saramago - Biografia, João Marques Lopes 

10 - Um romance psicológico
O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë 

11- Um livro escrito antes do renascimento
As nuvens, Aristófane 

12- Um livro já resenhado pelo Livrada!
História do Novo Sobrenome, Elena Ferrante 

13- Um livro de correspondência
Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe 

14- Um livro que se passa em lugar em que você já esteve
Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus (São Paulo/SP) 

15- Vida e Destino, Vassili Grossman (livro escolhido pelo Yuri)

Também fiz em vídeo:

Maratona Literária de Inverno 2016


Maratonas literárias dividem um pouco a minha opinião (falo sobre no fim do post), mas participei no ano passado e decidi encarar de novo esse ano. Essa é a Maratona Literária de Inverno que vai de hoje ao dia 31 de julho e é organizada pelo canal Geek Freak.

Como funciona?
Durante quatro semanas, os participantes se propõem a ler mais do que normalmente leem. Eu, por exemplo, escolhi oito livros: bem mais do que leio em um mês.
Cada semana tem um tema, que o participante pode seguir ou não. Os livros que escolhi estão todos na minha meta desse ano, então resolvi unir as duas coisas. Vamos às escolhas:

Semana 1 - Encalhados: Livros que estão na estante há mais de um ano
- A Noite das Bruxas, Agatha Christie
- Para Sempre Alice, Lisa Genova (acabei lendo antes)

Semana 2 - Hype: Livros que receberam uma quantidade grande de promoção; que foram muito falados
- O Diário de Bridget Jones, Helen Fielding
- Laranja Mecânica, Anthony Burgess

Semana 3 - Outros Mundos: Livros que se passam em outros universos, planetas e/ou realidades
- O Hobbit, J. R. R. Tolkien
- A Maldição do Tigre, Colleen Houck

Semana 4 - Diversidade: Livros com elementos ou personagens que representem diferentes culturas, costumes e/ou etnias
- A Garota Dinamarquesa, David Ebershoff
- Doze Anos de Escravidão, Solomon Northup

E vale a pena participar?
Ano passado eu li mais na maratona do que costumo ler normalmente. Porém, me pergunto se a qualidade da leitura não é atrapalhada pela pressão de ter que ler mais ou de ter que cumprir desafios e metas.
Talvez seja melhor encarar a maratona como algo prazeroso, sem tantas cobranças. Daí vale a pena fazer. Encarada dessa forma, a maratona pode até ser vista como uma forma de desencalhar alguns livros da estante e dar aquele gás na leitura.
Atenção para a advertência: maratonas podem provocar ressaca literária depois. 

Cegos que, vendo, não veem

Ensaio Sobre a Cegueira faz parte do projeto Lendo o Mundo.

Num semáforo, o primeiro carro da fila espera que o sinal mude para verde. Quando a mudança acontece, o motorista cega. Uma cegueira branca. É tomado, então, pelo desespero. O homem grita e é acudido por outro homem que acaba levando-o para casa.
O primeiro cego, como passa a ser chamado, vai ao consultório de um oftalmologista que fica, no mínimo, intrigado com a cegueira súbita do paciente. Em pouco tempo, cegaria também o médico e o homem que levou o primeiro cego para casa. Aos poucos, a cegueira branca vai se espalhando e o governo se vê em meio a um impasse: O que fazer com os cegos? A cegueira é transmitida por um vírus? Então, os primeiros cegos são colocados em quarentena num prédio onde funcionava um manicômio.

Cegos. O aprendiz pensou: "Estamos cegos", e sentou-se a escrever o Ensaio sobre a Cegueira para recordar a quem o viesse a ler que usamos perversamente a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade do ser humano é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo, que a mentira universal tomou o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito que devia ao seu semelhante.
(De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz, dezembro de 1998. Discurso de Saramago no Prêmio Nobel.)

Saramago, ao não nomear os personagens, reforça a ideia da perda da identidade dessas pessoas. Não que isso busque a igualdade, ao contrário, não lhes convém guardar vários nomes: se chamam, por exemplo, por "a rapariga dos óculos escuros", "o médico", "a mulher do médico".
Mais à frente na história, os personagens começam a perder aspectos que nos caracterizam como seres humanos. Vem a fome, a falta de higiene, lutas entre os cegos que estão nas quarentenas, assassinatos.
Em meio ao caos, a mulher do médico seria a personagem principal. Ela decide acompanhar o marido quando este está sendo levado para a quarentena. A mulher não cegou ainda, mas acredita que cegará. Se isso acontece ou não, eu não vou dizer.
As outras mulheres da história também são muito fortes e interessantes. Cenas marcantes acontecem dentro e fora do manicômio onde os cegos estão isolados e constroem uma relação de sororidade e irmandade entre elas.
Está morta, disse a mulher do médico, e a sua voz não tinha nenhuma expressão, se era possível uma voz assim, tão morta como a palavra que dissera, ter saído de uma boca viva. Levantou em braços o corpo subitamente desconjuntado, as pernas ensanguentadas, o ventre espancado, os pobres seios descobertos, marcados com fúria, uma mordedura num ombro, Este é o retrato do meu corpo, pensou, o retrato do corpo de quantas aqui vamos, entre esses insultos e as nossas dores não há mais do que uma diferença, nós, por enquanto, ainda estamos vivas.

Este foi o meu primeiro contato com a escrita de José Saramago. Já tinha ouvido falar que ele não seguia as regras de pontuação ou de maiúsculas e minúsculas e isso me assustava um pouco.
Besteira. A escrita do autor é única, consegue cativar já nas primeiras páginas. Na citação acima, se percebe o não uso das regras formais e a linguagem coloquial e a poesia, que o autor consegue combinar. Outro ponto muito bom é poder ler o português de outros países que falam e escrevem na língua. Experiência parecida eu tive ao ler Mia Couto, autor moçambicano.
O livro foi adaptado para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles e tem Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga e Gael García Bernal no elenco.
No site Conexão Lusófona está disponível o livreto "A Arquitetura de um Romance" que revela a construção do livro contada dia a dia pelo autor nos seus diários e intervenções públicas. Uma curiosidade: a capa do livreto é de Chico Buarque.

O autor
Filho e neto de camponeses, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922. Sua família foi para Lisboa quando ele ainda era criança, assim passou a maior parte de sua vida na capital.
O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido depois diversas profissões: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor e jornalista. Publicou o seu primeiro livro, um romance,  Terra do Pecado, em 1947.
Pertenceu à primeira Direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, de 1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Em 1998, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. José Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010.

Outros livros e autores portugueses:
Eça de Queiroz
Fernando Pessoa
Florbela Espanca
Vento, areia e amoras bravas e A Sibila, de Agustina Bessa-Luís
Uma Menina Está Perdida no Seu Século à Procura do Pai, de Gonçalo M. Tavares

Equador e No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares
A Desumanização, O Filho de Mil Homens, A Máquina de Fazer Espanhóis, O Paraíso são os Outros, de Valter Hugo Mãe (é angolano, mas sempre viveu em Portugal)
A Definição do Amor, de Jorge Reis-Sá
Fazes-me falta, de Inês Pedrosa
Morreste-me, de José Luís Peixoto
 

O feminismo negro em A Cor Púrpura


A Cor Púrpura faz parte do Projeto Lendo o Mundo.

Sou mulher, mas não sou negra. Porém, é impossível ler A Cor Púrpura e não se identificar com a história das mulheres representadas. Para mulheres negras a identificação provavelmente acontece mais facilmente.
Claro que direitos foram conquistados por mulheres e negros desde o início do século XX - época em que se passa a história -, mas ainda sofremos com a desigualdade de gênero e de raça, duas principais temáticas tratadas.
A Cor Púrpura é narrado em primeira pessoa por Celie, que escreve cartas para Deus. As primeiras cartas já permitem que o leitor saiba que a personagem é abusada sexualmente por seu pai e que ela teve dois filhos dele, que acredita estarem mortos.
Celie acaba sendo "doada" (dada) a Sinhô, seu marido, homem que a trata mais como escrava do que como esposa. A brutalidade e violência com que Sinhô - tratamento que já mostra uma situação de submissão - trata Celie estão ligadas a forte paixão que ele nutre por sua ex-amante Doci Avery, conhecida cantora de blues que o deixa para viver do canto. 
Celie também acredita ter perdido sua irmã, com quem não tem mais contato desde que saiu de casa. Está sozinha, morando com um homem que não a respeita.

"Mas eu num sei como brigar. Tudo queu sei fazer é cuntinuar viva."

Após a Emancipation Proclamation, promulgada em 1° de janeiro de 1863 pelo presidente Abraham Lincoln nos Estados Unidos, "os negros obtiveram direitos iguais aos brancos em 1868. Dois anos mais tarde, [...] garantiu-lhes a igualdade de direito eleitoral. Estados como Carolina do Sul, Mississippi e Louisiana, porém, deram um jeito de burlar os direitos dos escravos libertados, mantendo restrições legais, os chamados black codes". Os black codes eram práticas que restringiam as liberdades e os direitos civis dos afro-americanos, que seriam conquistados - no papel - somente em 1964, com a Lei dos Direitos Civis. Ou seja, continuaram vivendo à margem da sociedade.
A situação no Brasil não foi muito diferente. Os ex-escravos eram discriminados pela cor da pele (e seus descendentes ainda são) e acabaram somando-se à população pobre "e formaram os indesejados dos novos tempos, os deserdados da República".
“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (...) fossem mais postos à margem”.  Lima Barreto

As mulheres só obtiveram o direito de votar em 1920, nos EUA, e os negros somente em 1965 após a instituição da lei Voting Rights Act que proibia o uso de parâmetros relacionados à cor da pele e grau de instrução. 

"Harpo, ela [Sophia] diz. (...) Harpo, num deixa a Celie carregar toda a água sozinha. Você tá grande agora. Tá na hora de ajudar um pouco.
As mulher é que trabalham, ele diz.
Quê?, ela diz.
As mulher é que trabalham. Eu sou home.
Você é um negro safado, ela diz. Pega aquele balde e traz ele cheio.
(...) Sinhô chama a sua irmã. Ela fica na varanda falando um pouco, depois ela volta, tremendo.
Tenho de ir, Celie, ela diz.
Ela tá cum tanta raiva que as lágrima iscorrem enquanto ela arruma as coisa dela.
Você tem que brigar cum eles, Celie, ela diz. Eu num posso fazer isso pur você. É você mesma que tem que brigar pur você."

O termo sororidade, parte do feminismo contemporâneo, é pulsante nas relações entre essas personagens, o que faz com que elas se ajudem mesmo se não há grande afinidade entre elas. 

"Olha só pra você. É negra, é pobre, é feia, é mulher. Você não é nada!"

Assim, Alice Walker faz um retrato de uma época em que ser negro era difícil, mas ser mulher negra era pior ainda. Se os negros estavam à margem da sociedade, as mulheres negras só serviam para cuidar da casa (a sua ou da dos outros) e sem reclamar. Celie, Doci, Sophia, Nettie, Mary Agnes e todas as mulheres retratadas no livro são muito fortes e profundas. São críveis porque elas existiram e ainda existem em todo o mundo. 

O romance de Alice Walker venceu o Prêmio Pulitzer de Ficção e o National Book Award, ambos em 1983.


A autora
Alice Walker nasceu em 1944, em Eatonton, na Geórgia. Trabalhou como assistente social, professora e participou do Civil Rights Movement, em 1960 no Mississippi. Além de A Cor Púrpura, também escreveu O templo dos meus familiares, Vivendo pela Palavra, Rompendo O Silêncio e De amor e desespero, obra composta por vários contos sobre mulheres negras do sul dos Estados Unidos.
Três anos depois do lançamento de A Cor Púrpura, Steven Spielberg levou a história aos cinemas, com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover no elenco. O longa recebeu 11 indicações ao Oscar.
A autora incorporou personagens do romance e suas relações em outros dois livros: The Temple of My Familiar (1989) e Possessing the Secret of Joy (1992), que receberam boas críticas e foram bastante discutidos por tratarem de assuntos como a prática de mutilação feminina.