Lendo o Mundo: Incidente em Antares

12:58 Carolina Carettin 0 Comments

Diogo Vilela, Elias Gleizer, Paulo Betti, Fernanda Montenegro, Rui Resende, Marília Pêra e Gianfrancesco Guarnieri em Incidente em Antares (TV Globo, 1993)


"Em dezembro de 1963, uma sexta-feira 13, a matriarca Quitéria Campolargo arregala os olhos em sua tumba, imaginando estar frente a frente com o Criador. Mas logo descobre que está do lado de fora do cemitério da cidade de Antares, junto com outros seis cadáveres, mortos-vivos como ela, todos insepultos. Uma greve geral na cidade, à qual até os coveiros aderiram, impede o enterro dos mortos. Que fazer? Os distintos defuntos, já em putrefação, resolvem reivindicar o direito de serem enterrados - do contrário, ameaçam assombrar a cidade. Seguem pelas ruas e casas, descobrindo vilanias e denunciando mazelas. O mau cheiro exalado por seus corpos espelha a podridão moral que ronda a cidade."


O último romance do escritor gaúcho Érico Veríssimo, Incidente em Antares, foi publicado em 1971, em plena ditadura militar. Mesmo sendo uma sátira política, o livro não foi submetido à censura. No livro “Livros contra ditadura”, de Flamarion Maués, o autor explica que a censura de livros nesse período dependia de denúncias, já que era impossível editar e fiscalizar todos os livros que eram lançados.

Mas que tanto fala de política esse livro, minha gente? Vamos lá.

Érico Veríssimo nos conta a história de Antares, uma pequena cidade do Rio Grande do Sul. Nela, há duas famílias influentes, os Campolargo e os Vacariano, que praticamente mandam e desmandam na cidade.

Na primeira parte, o autor contextualiza a história com os períodos históricos e políticos pelos quais o Brasil passou: proclamação da República, Era Vargas e assim por diante. Os fatos verídicos vão servir de pano de fundo para o desenvolvimento do romance. É praticamente uma aula de História (só que mais divertida, caso você não goste da disciplina).

O incidente vem a acontecer na segunda parte do romance. Os trabalhadores da cidade aderem à greve geral e o caos se instala na cidade quando sete pessoas morrem, incluindo Dona Quitéria, a matriarca dos Campolargo. Os coveiros, em greve, impossibilitam o enterro dos defuntos e cercam o cemitério.
Naquela noite, os mortos não sepultados ganham “vida” e passam a revelar os podres da cidade. Uma ironia, já que eles estão apodrecendo e cheios de moscas em volta de seus corpos. Mortos, eles estão livres das convenções sociais e podem dizer o que bem pensam sobre quem quiserem.

"A progressão social repousa essencialmente sobre a morte. Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos."

Segundo Fernando Maurílio, mestre em Teoria Literária, “(...) a cidade de Antares tem efeito metonímico: trata-se da América Latina, com seu sistema político colonizado e corrupto; do Brasil, que acrescenta a esse sistema o dado ditatorial; e, por fim, do Rio Grande do Sul, que contribui com personagens e ideologia fundamentados em uma tradição local coronelista, patriarcalista e machista. O que os mortos denunciam na praça pública – espaço democrático por excelência – é resultado daquele sistema político colonizado e corrupto, que permite os outros desvios, fazendo com que a metonímia retorne ao seu ponto de partida e complete a alegoria.” O livro pertence ao período do neorrealismo brasileiro, sendo um romance regional com temática social muito forte.

"Desta vez abri a veia da sátira e deixei seu sangue escorrer livre e abundantemente." - Érico Veríssimo

Incidente em Antares é envolvente, engraçado, verdadeiro e ainda nos faz refletir sobre o nosso atual governo. Muitas semelhanças são encontradas entre governos passados e o cenário político em que vivemos hoje.

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