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Reportagens, de Joe Sacco: jornalismo de guerra feito em quadrinhos



Um jornalista que cobre guerras e conflitos ao redor do mundo. Até aí nada de diferente, se não fosse o fato de Joe Sacco contar essas histórias em formato de quadrinhos. Reportagens, lançado pelo selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras, reúne seis reportagens feitas pelo autor.

Joe Sacco inicia o livro com um prefácio no qual aborda o jornalismo de quadrinhos. “Sempre que se apresentar jornalismo na linguagem dos quadrinhos, haverá uma tensão entre as coisas que se podem verificar, como uma declaração gravada, e as coisas que não se prestam à verificação, tais como um desenho que diz representar um episódio em particular”, diz. Ainda no prefácio, o autor comenta sobre a importância de representar de forma fidedigna a experiência de uma testemunha ocular. Para isso, Joe Sacco faz perguntas como “Quantas pessoas havia lá? Estavam em pé ou sentadas”, a fim de orientar os leitores.

Uma das questões que pontuam sobre quadrinhos não serem uma forma de jornalismo é a objetividade. Para alguns, é impossível que o quadrinista consiga retratar uma cena ou um fato com imparcialidade a partir do desenho. Porém, para Sacco – e para mim também – não há como um jornalista retratar um fato com “objetividade”. “A jornalista norte-americana que acaba de pôr os pés na pista do aeroporto afegão não se livra de imediato do ponto de vista norte-americano nem abdica de toda pré-concepção para gravar novas observações em tábula rasa”, afirma. Um exemplo de jornalismo de quadrinhos lançado recentemente é Madaya Mom, uma parceria entre a Marvel e a ABC News, baseado em blogs da emissora na cidade síria de Madaya com relatos anônimos de uma mulher que vivencia a crise de fome no local.  

Ao longo do livro, Joe Sacco demonstra a seriedade com que apresenta os conflitos e com que trata seus personagens, geralmente as vítimas diretas da guerra. Aliás, Sacco aparece como personagem ativo, estando presente em alguns quadros, além de, claro, ser o narrador das reportagens.

Uma delas, chamada “Imigrações”, talvez seja a que melhor demonstre sua participação ativa mais presente. Nela, o autor trata de imigrantes africanos que chegam à Ilha de Malta, país onde nasceu. Ele começa apresentando a visão dos malteses sobre os imigrantes e como suas vidas estão mudando por conta disso. Depois, é a vez de conhecermos melhor alguns africanos e todos os perrengues que passaram para chegar até a Ilha.

“De um lado, como maltês, imaginei que os habitantes seriam menos reticentes comigo quanto ao que realmente pensavam dos africanos que desembarcam na ilha. (…) Por fim, esta história seria facilmente contada da perspectiva dos africanos, que eram fáceis de abordar nos campos e centros onde viviam ou nas ruas, enquanto procuravam emprego. (…) Embora seja óbvia minha simpatia para com os migrantes, que suportaram dificuldades tremendas para chegar a um lugar tão pouco receptivo, sejam quais forem seus motivos para atravessar o mar Mediterrâneo, achei que era meu dever tratar os medos e apreensões dos malteses com seriedade.”

Já outra reportagem, sobre a guerra da Chechênia, chama a atenção por partir do ponto de vista de mulheres, geralmente viúvas que sustentam a família. É o caso de Zara, uma refugiada interna (RI) que era responsável pelo marido, dois sobrinhos e os sete filhos. Para conseguir levar comida para casa, Zara trabalhava em dois lugares, somando 17 horas diárias de trabalho, sendo esta apenas uma das histórias de viúvas de homens mortos e de homens vivos.

O livro ainda traz reportagens sobre o conflito entre Palestina e Israel; o Tribunal de Haia; a Guerra do Iraque e os “intocáveis”, uma das castas mais baixas da Índia que sofrem com a miséria, a fome e a corrupção de seus superiores.

Para o leitor compreender completamente as reportagens, considerando o contexto histórico, os jogos políticos e econômicos, é preciso pesquisar um pouco enquanto lê. Sacco auxilia no entendimento ao colocar seus comentários ao final de cada reportagem, num texto separado em que explica onde a matéria foi publicada e as dificuldades de realizá-la, por exemplo.

Por fim, o autor nos mostra o lado humano da guerra, que vai além dos números de mortos, tão presentes em coberturas jornalísticas tradicionais, principalmente se pensarmos em conflitos que envolvem o Oriente Médio.

O rapto do jornalismo - Carlos Alberto di Franco

"Pedro Lozano Bartolozzi, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, acaba de lançar um livro instigante: O rapto do jornalismo. O texto é uma reflexão sobre a nossa profissão, seus dilemas e seu fascínio.

O jornalismo foi raptado pela perda de qualidade do conteúdo, pelo perigoso abandono de sua vocação pública e pela sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado.

Bartolozzi defende a necessidade de que essa tendência seja revertida. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.

A sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado?

Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.

No Brasil, para além da permanência dos diários tradicionais, explodiu o fenômeno dos populares de qualidade. O novo segmento não tem apenas incorporado novos leitores. Ele, de fato, representa uma esplêndida plataforma educativa.

É fascinante ler alguns depoimentos dos novos leitores. São pessoas simples, frequentemente marginalizadas do debate público, que encontraram nos populares de qualidade uma carícia na sua autoestima. Sentem-se cidadãos.

A nova classe emergente é uma grande oportunidade. Se trabalharmos bem, com criatividade e ousadia, assistiremos ao mais surpreendente fenômeno de migração de leitores de todos os tempos.

Não estamos diante de um simples movimento de consumo, mas de um exercício de cidadania. O consumidor de um popular, pode, amanhã, ter demandas mais sofisticadas. A vida é assim. Os populares podem ser a porta de entrada para os produtos tradicionais.

Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues.

O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração.

O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação.

O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.

Apostar em boas pautas - não muitas, mas relevantes - é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem.

Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada.

O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.

Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para este público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.

Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.

Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária.

É para isso que o público está disposto a pagar. Também na internet. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.

Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não
tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.

Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que não estudam nada há 25 anos.

O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística - pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons gestores.

As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante."

Fonte: Blog do Noblat
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

"Nosso papel é intransferível"



"Jornalismo, a missão interminável" de Alberto Dines para o Observatório da Imprensa em 24/10/2012 na edição 717.


Saudação proferida na solenidade de entrega do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que homenageou os jornalistas Alberto Dines e Lúcio Flávio Pinto com o Prêmio Especial “pelos relevantes serviços prestados à causa da Democracia, da Paz, da Justiça e contra a Guerra”. O evento ocorreu na terça-feira (23/10/2012), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O Prêmio Vladimir Herzog é uma iniciativa das seguintes instituições: Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo (ABI/SP); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio); Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo; Instituto Vladimir Herzog; Ordem dos Advogados do Brasil-Seção São Paulo (OAB/SP), Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. (L.E.)

"O melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação; assim como fazem com os equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que medalhas de ouro – aliás, a única que recebi nos últimos 60 anos foi roubada num arrastão no meu prédio.
Também sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística – solidariedade, decência, dedicação.
Esta é uma festa, mas não devemos esquecer a suprema ironia de, sendo arautos das mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”, “outsourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”.
Éramos marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres.
O Senhor Mercado imagina que o mundo é movido por gadgets, o Senhor Mercado engana-se mais uma vez: o mundo é movido por ideias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não sabia ler nem escrever, estava apenas conectado com a condição humana e inventou o diálogo.
A informação hoje ou é codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas meias verdades. Às vezes nem isso, apenas meias meias-verdades. Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias.
Mesmo assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade.

Outras histórias
A absurda tese do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa marrom chamado Claudio Marques, que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.
Herzog era tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra ele empreendida pelo colunista do Shopping News. Fiz uma denúncia no “Jornal dos Jornais” [coluna dominical de crítica de mídia publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e julho de 1977], não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado.
Claudio Marques jamais foi convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da Folha de S.Paulo, fazia parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel Erasmo Dias, assíduo em outras redações paulistanas.
Cabe a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel, nosso papel é intransferível."

Rotina

Foto: Max Resdefault

"O jornalismo trata dos mesmos dramas que a literatura, só que através do filtro da rotina. Se consegue ir além da visão da rotina, o jornalismo pode até ser visto como obra de arte, pois é também um trabalho de criação, da busca de um estilo, da descrição do patético, do trágico, do pungente, do comum e do extraordinário que os acontecimentos trazem consigo. Se não consegue ir além da visão de rotina, transforma-se o jornalismo, ele próprio... Em rotina!"
Antonio Olintho

Cabe inovação ao jornalismo?


Por Cleyton Carlos Torres em 05/03/2013 na edição 736


Quando mencionamos o termo inovação e o relacionamos com o meio jornalístico, logo de cara a questão do digital aparece como a principal coadjuvante. Entretanto, inovação em jornalismo é algo que está profundamente mais intrínseco à sua estrutura do que ao modelo ou formato disponibilizados, tangendo pilares nos mais variados segmentos. Um grande exemplo de inovação no jornalismo é quanto ao seu modelo de negócio. Apoiar suas bases em mecanismos já fatigados com o tempo talvez seja o grande impeditivo para essa inovação. Ou não, já que é justamente a insistência em percorrer os mesmos mapas um possível grande combustível para profissionais que querem trazer disciplinas de fora para injetar novas visões nesse universo comumente visto como “tradicional”.

Nos últimos anos, a característica do jornalismo como empresa se tornou mais palpável e madura, já que grandes setores da sociedade perceberam que, sim, o jornalismo é uma empresa, paga impostos, tem folha de pagamento, custos altíssimos com equipamentos e que o jornal que lemos de manhã (ou nosmartphone a qualquer hora do dia) é concebido por profissionais contratados, e não por um grupo de pessoas que não necessita de recursos financeiros para sobreviver.

O jornalista é um profissional e o jornalismo é uma empresa. E empresa que pretende se firmar – ou se manter – no mercado tem a necessidade de inovar seus modelos estruturais com o intuito de oferecer ao consumidor (leitor, ouvinte, usuário ou telespectador) algo com um valor (informação jornalística) agregado e, principalmente, que o diferencie dos demais “produtos” disponibilizados pelas outras empresas do ramo.

Uma empresa comercial
O jornalismo precisa acompanhar as inovações tecnológicas, porém tão importante quanto isso é observar de perto as mudanças nos hábitos e costumes do público, principalmente no que diz respeito à maneira como consomem conteúdo e se informam no dia-a-dia. Muitas empresas acabam procurando inovar em determinado setores com os objetivos errados, como investir na web apenas para manter de pé o impresso, sendo que é possível, por exemplo, inovar dentro do próprio jornal impresso.

Inovar no jornalismo significa reformular seu modelo de negócio, readaptar a forma como uma notícia é concebida (engenharia reversa na imprensa) e trazer para dentro da empresa a visão de que o jornalismo jamais irá abandonar seus princípios éticos para com a sociedade, porém a concepção de que o jornalismo é uma empresa comercial deve ficar mais tangível inclusive para os próprios jornalistas.

Cabe inovação no jornalismo? Sim, cabe. Mas a grande dúvida é: quem topa?

***

[Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!]

Fonte: Observatório da Imprensa

Qual o papel do chefão da CBF no assassinato de Vladimir Herzog?


Por Andrew Jennings, para a Agência Pública
Brasília, 11 de dezembro de 2012: O deputado Romário chega de mansinho na sala da Comissão. Uma centena de pares de olhos seguem o icônico Baixinho que se dirige primeiro à imprensa. “Andrew Jennings, meu amigo, como vai”, diz, enquanto aperta minha mão entre as suas.
Ele parece estar em grande forma, leve, relaxado, sorridente, e um brilho no olhar que promete: um dos maiores goleadores do mundo está prestes a marcar mais um tento. Sem fazer alarde, como sempre. Romario simplesmente marca: Gol!
“Melhor agora que encontrei você, companheiro”, respondo. Ele dá risada e vai embora, driblando as mesas para tomar assento na Comissão de Esporte e Turismo da Câmara, da qual faz parte.
Romario aguarda pacientemente por alguns minutos.  Então, o presidente da mesa lhe passa a bola: é sua vez de falar. Ele não sorri agora.
“As pessoas me param na rua para dizer: ‘Traga o Teixeira de volta, o novo presidente da CBF é pior’”.
Pronto. Com apenas uma frase ele agarrou a bola e: gol!
Durante 23 anos Ricardo Teixeira desviou dinheiro da FIFA e da CBF. O peso da corrupção finalmente o forçou a renunciar nove meses atrás e os torcedores puderam recolher as faixas “Fora Teixeira” que estendiam nos estádios.
Como o cara que assumiu a CBF, o octogenário José Maria Marin, poderia ser pior que o antecessor? Certamente ele vai fundo saqueando o futebol brasileiro, mas Marin não tem como superar as décadas de roubo de Ricky Vigarista.
A resposta está fora do campo do futebol, em uma história sórdida que vem do tempo da ditadura militar. Por isso a indignação em São Paulo – onde manifestantes protestaram diante de sua casa-  nas colunas dos jornais, no Congresso, onde foi acusado de ter “as mãos sujas de sangue”
* * * * * * * *
Brasília, 13 de dezembro de 1968: Quatro anos depois do golpe militar que implantou a ditadura no Brasil veio uma lei – o famigerado AI-5 – que dava ao milico que estivesse na cadeira da presidência o poder de fazer o que lhe desse na telha. O Congresso estava amordaçado, os partidos políticos, banidos e os direitos humanos, extintos. A censura corria solta nos jornais, na música, no teatro, no cinema.
Sabendo-se ilegítimos e odiados pelo povo, os generais declararam a guerra suja contra os opositores. Torturava-se e matava-se na Operação Bandeirantes – a OBAN – executada por policiais civis e militares e secretamente financiada por empresários brasileiros e corporações americanas – que pagavam bônus para tirar os sindicalistas de suas fábricas.
Em 1970, entre os milhares de presos estava uma jovem estudante, Dilma Rousseff, que se juntara a um grupo clandestino de guerrilha urbana. Ela descreveu, em uma entrevista de 2011, as pancadas que recebia nua e amarrada, entremeadas por choque elétricos nos pontos mais sensíveis do corpo, que chegaram a provocar hemorragia uterina.
São Paulo, 15 de março de 1971: Enquanto os torturadores da OBAN davam choques em Dilma, José Maria Marin – que muito depois se tornaria o chefão do futebol – assumia o mandato de deputado estadual. Se quisesse, Marin teria ouvido os gritos dela. Ele tinha conhecimento da tortura mas isso não o incomodava. Os militares não faziam segredo da sua brutalidade; eles precisavam de uma população acuada, intimidada para se impor.
O senhor Marin aderira à ARENA, o partido criado para os políticos da ditadura. Ele gostava dos militares porque eles o deixavam pertinho do caixa-forte; e os militares o apreciavam porque era a caixinha de música deles. Bastava apertar o botão, e lá ia Marin discursar na Assembléia, denunciando os comunistas ou qualquer um que a OBAN quisesse, dando o pretexto para prender e torturar.
De vez em quando Marin se encontrava com Sérgio Fleury nos bastidores políticos ou nos restaurantes da moda em São Paulo. Fleury era um sádico de primeira, um artista da tortura. O Príncipe da Dor supervisionava inquéritos e operava uma rede de cativeiros privados – em casas, chácaras – onde clandestinamente os presos políticos eram torturados dias a fio. Muitos morreram – ou simplesmente desapareceram.
Seus gângsters em trajes civis invadiam qualquer casa a qualquer hora e quando queriam se divertir, espancavam o suspeito. As crianças assistiam, aterrorizadas. Os revólveres disparavam. Marin tinha Fleury em alta conta.
São Paulo, janeiro de 2013: “Depois que a ditadura se instalou, ser jornalista se tornou uma ocupação prejudicial à saúde. Eu tinha saído do país seis meses antes e estava em Londres, trabalhando para o serviço brasileiro da BBC”, lembra o jornalista Nemércio Nogueira.
“Eu e um colega fizemos um lobby para que a BBC oferecesse  um emprego ao amigo e jornalista Vladimir Herzog. Em 1965 eles contrataram o Vlado, que veio com a mulher, Clarice; eles tiveram os dois filhos em Londres, Ivo e André”.
Depois de três anos na BBC, em agosto de 1975, ele voltou com a família para o Brasil, e foi nomeado editor-chefe da TV Cultura, uma emissora do governo do Estado. Agora ele estava na esfera de influência do deputado José Maria Marin, porta-voz de Fleury e dos generais.
A ditadura começava a rachar. A luta armada tinha sido sufocada, os guerrilheiros eliminados. Alguns generais pregavam um retorno gradual e cauteloso à democracia. Mas os linha-dura não queriam ouvir falar nisso; para continuar nos negócios precisavam da “ameaça vermelha”. Os soldados da tortura concordavam do fundo do coração.
Eles conseguiram ajuda externa. Os serviços de segurança da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai lançaram a Operação Condor, sincronizada através de uma base da CIA no Panamá, prendendo e assassinando lideranças de esquerda e opositores da ditadura em toda a América Latina.
Vlado era mais do que um respeitado ex-repórter e produtor da BBC. Graduado em Filosofia, era um documentarista bem sucedido e professor de jornalismo na Universidade de São Paulo.
Outros colegas jornalistas recordam: “Vlado tinha um estilo direto e despojado de falar e escrever, e não era dado à retórica. Uma frase que usava com frequência, que resume o pensamento dele – e está gravada em sua lápide – era: “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados”.
Sua família conhecia o medo, o medo das atrocidades. Judeus, eles fugiram da Croácia quando ele era menino por causa dos nazistas.
Ivo Herzog me disse: “Sim, meu pai era membro do Partido Comunista Brasileiro. Mas não era um grupo armado. Era mais como um grupo de debates.”
As denúncias serviam ao que Fleury e seus sádicos queriam.  Eles começaram a prender os suspeitos de serem comunistas e torturá-los para obter mais nomes.
* * * * * * *
São Paulo, Setembro de 1975: Claudio Marques era um provocador barato, um porta-voz dos torturadores que entrava nos lares da cidade pela TV.
“Conheci o Claudio pessoalmente, como jornalista, e ele me parecia um canalha. Acho que ele não era mais do que um oportunista que viu na ditadura uma forma de obter favores, patrocínio para sua coluna, seu programa de TV, um emprego, qualquer coisa”, lembra o jornalista Nemércio Nogueira, amigo e colega de Vlado na BBC.
Claudio fazia tudo que podia para conseguir a gratidão dos generais. Fleury queria vermelhos? Claudio proveria. Ele começou a escrever sua “Coluna Um”.
“Viram o noticiário de ontem na TV Cultura? Falando do esquerdista vietnamita Ho Chi Min?”
Não interessava que a materia tivesse vindo da BBC Visnews, ali estava a prova de que o canal estatal tinha sido tomado pelos vermelhos! E o governo vai ficar parado assistindo a isso?
Isso foi na primeira semana de setembro. Dois dias depois, a coluna de Claudio espalharia o veneno pela segunda vez.
As prisões dos comunistas suspeitos começou na última semana de setembro. Amarrados na Cadeira de Dragão, com eletrodos no nariz e no pênis, e afogados em baldes de água, eles estavam gritando nomes.
A campanha se mudou para o Congresso.
* * * * * * *
São Paulo, 9 de outubro, 1975: O fantoche escolhido para fazer o aquecimento era o deputado Wadih Helu, outra criatura da ditadura. Ele tomou assento nas fileiras da Arena enquanto providenciava lugares discretos para os interrogatórios dos torturadores de Fleury.
Helu trazia “denúncias graves” a seus colegas na Assembléia.
Veja só: o governo tinha acabado de inaugurar um novo sistema de esgoto e quem assiste à TV Cultura não ficou sabendo disso. Eles não mandaram equipe! (controle sua vontade de rir, o fim da história é funesto).
Fingindo tremer de raiva, o deputado Helu prosseguiu: “A ausência da equipe da TV Cultura nas inaugurações do governo não é novidade para quem tem acompanhado a coluna de Cláudio Marques, denunciando a infiltração de elementos comunistas na TV do estado”.
Helu subiu o tom: “Eles só mostram notícias negativas, nada de positivo. Estão fazendo proselitismo do comunismo subserviente, tornando-se, como diz Claudio Marques, ‘a TV Cultura vietnamita de São Paulo’, usando  dinheiro do povo para prestar um desserviço ao governo e à Pátria”.
Helu sentou. Era a vez do deputado arenista José Maria Marin.
“Acho estranho que apesar da imprensa estar levantando o problema há tempos, pedindo providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2, não tenha acontecido nada até agora”.
“Não é só uma questão daquilo que eles publicam mas o desconforto que provocam não apenas aqui, nem apenas nos círculos políticos, mas que se comenta em quase todos os lares paulistas”.
Alguma coisa tinha que ser feita.
“Gostaria de chamar a atenção da Secretaria de Cultura de São Paulo, do governador do Estado que devem definitivamente apurar as denúncias publicadas na imprensa de São Paulo, em especial, pelo corajoso jornalista Claudio Marques”.
“Faço um apelo ao governador do Estado: ou jornalista está errado ou está certo. Essa omissão por parte da Secretaria do Estado e do governador não pode persistir. Mais do que nunca  é necessário agir para que a tranquilidade reine novamente nesta Casa e, principalmente, nos lares de São Paulo”.
Sérgio Fleury e seus gorilas agora tinham carta branca para trabalhar. Essa era a mensagem do discurso de Marin. O relógio estava correndo depressa no sentido de abreviar a vida de Herzog.
“Naquele tempo a gente vivia no olho do furacão”, lembra o amigo e colega de Vlado, Paulo Markun. Oito dias depois, Markun foi preso. “Fui torturado e confessei que era membro do Partido Comunista”, disse.
Na noite de 24 de outubro, 15 dias depois dos discursos raivosos de Helu e Marin na Assembléia, os policiais chegaram na TV Cultura querendo levar Vlado. Os colegas de redação argumentaram que ele estava fechando o jornal da noite e que, se o levassem naquele momento, o programa não iria ao ar. Vlado se ofereceu para ir voluntariamente à polícia no dia seguinte.
Vlado foi incauto? Era ingênuo? Um colega e amigo dele me disse: “Minha interpretação é que, morando em endereço bem conhecido, sendo um jornalista renomado, com um cargo alto na TV estatal, e sem envolvimento na luta armada, ele não tinha muito o que temer”.
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São Paulo, 25 de Outubro de 1975: Vladimir Herzog, 38 anos, acordou mais cedo do que de costume na manhã de sábado. Fez a barba, tomou banho e deu um beijo de despedida em Clarice, que ainda estava na cama.
Ela queria levantar e fazer o café da manhã, mas ele lhe disse que não se preocupasse, que no caminho pararia em uma padaria para tomar um café com leite.
No fundo, no fundo, todos os que não eram aliados do regime tinham medo de “desaparecer”. Afinal, naquela época isso acontecia mesmo. Vlado combinou de encontrar um colega que o acompanhou até o número 921 da rua Tutóia, no bairro do Paraíso, hoje o 36o distrito policial. Eles chegaram por volta das 8 horas da manhã.
Por trás dos muros altos guardados por sentinelas funcionava a OBAN. Vlado cruzou o portão de entrada e disse ao recepcionista seu nome completo, profissão, número de RG.
E esperou sentado em um dos bancos de madeira no amplo hall que conduzia a um vidro e uma porta de ferro. Minutos depois, foi levado para interrogatório.
Vlado recebeu a ordem de tirar as roupas e colocar os trajes de prisioneiro. Na sala de interrogatório já estavam dois prisioneiros com os rostos cobertos por capuzes pretos.
Um deles, Rodolfo Konder, reconheceu o amigo: “Consegui erguer um pouco o capuz e reconheci seus sapatos, os mocassins pretos do Vlado”.
Vlado negou ser membro do Partido Comunista. Konder e o outro prisioneiro foram levados. Pouco tempo depois, eles ouviram os gritos de Vlado quando os choques elétricos começaram.
Os gritos duraram boa parte da manhã. “Os choques eram tão violentos, que Vlado uivava de dor”, diz Konder. “Eles ligaram um rádio para abafar o som”.
“Cerca de uma hora depois, eles me levaram para outra sala onde pude tirar o capuz e eu vi o Vlado. O homem que fazia o interrogatório, aparentava uns 35 anos, era magro, musculoso, com uma tatuagem de âncora no braço, disse-me para falar para ele que era inútil resistir”, lembra Konder.
“Vlado estava com o capuz enfiado na cabeça, tremendo, desfigurado. Tive que ajudá-lo a escrever uma confissão dizendo que ele tinha sido convencido por mim a entrar no PCB e listar outros membros do partido”.
Sobre isso, Ivo Herzog me disse: “Eles interromperam os choques e ditaram uma nota para ele escrever. Ele obedeceu, escreveu, então refletiu e rasgou a nota. Eles aumentaram a voltagem, os gritos dele voltaram a ser ouvidos e os choques o mataram”.
Ele hesita um pouco e para de falar. “Minha família não gosta de recordar a tortura. Eles não tinha necessidade de matar meu pai – foi sem intenção”.
Fleury estava na sala? – perguntei.
“Não sabemos”, diz Ivo. “Mas  sei que o Marin estava bem preparado para colocar a vida do meu pai em perigo e assim ficar bem com os militares”.
Tarde da noite, Clarice Herzog recebeu as notícias da morte do marido.
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25 de outubro de 1975, horas mais tarde:  Os torturadores vestiram Vlado apressadamente com as suas roupas, passaram o cinto da calça em volta do pescoço, penduraram o corpo na cela e o fotografaram de novo, dessa vez alegando que ele havia se matado. A foto não era nada convincente: os pés dele tocavam o chão e seus joelhos estavam dobrados.
Seu corpo foi entregue às autoridades religiosas esperando que  fosse enterrado – e as evidências do crime também. A tradição judaica não permite que os suicidas sejam enterrados em seus cemitérios. Mas quando o Shevra Kaddish – o comitê  fúnebre judaico – estava preparando o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel reparou nas marcas de tortura. Ele ordenou que Vlado fosse enterrado no centro do cemitério. A versão do suicídio tinha sido desmentida.
As notícias da morte de Vlado se espalharam à medida que os jornalistas e opositores gradualmente ocupavam as ruas. A tragédia havia levado para a classe média os fatos que ocorriam em todo o país. Lentamente – foi preciso outra década para restabelecer algo que parecesse mais com a democracia –, o golpe militar arrefecia. Sobel diria depois: “O assassinato de Herzog foi o catalisador da volta da democracia”.
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São Paulo, 7 de outubro de 1976: Um ano e dois dias depois de “salvar” a TV Cultura – e incitado a prisão que terminou com o assassinato de Herzog – Marin mais uma vez discursava na Assembléia Legislativa de São Paulo.
E novamente, o deputado reclamava. Não sobre os vermelhos. Dessa vez, estava aborrecido com a falta de reconhecimento público a Sérgio Fleury, o delegado. Um homem que recentemente tinha emboscado e matado os guerrilheiros corajosos o bastante para enfrentar a ditadura.
Isso foi tirado da gravação oficial do discurso de Marin: “Aqueles que o conhecem de perto, sabem que ele é um chefe de família exemplar, mas, mais do que tudo, ele cumpre seus deveres como policial da maneira mais louvável possível”.
“Não conseguimos entender como um policial desse calibre, um homem que dedicou sua vida inteiramente ao combate do crime, um homem que muitas vezes pôs em risco não apenas a sua vida mas a de seus familiares não está recebendo o reconhecimento que merece”.
“Conhecendo seu caráter como eu conheço, não há dúvida de que Sérgio Fleury ama sua profissão; de que Sergio Fleury se dedica ao máximo, sem medir esforços nem sacrifícios para honrar não apenas a polícia de São Paulo, mas acima de tudo seu título de delegado de polícia. Ele deveria ser uma fonte de orgulho para a população de nossa cidade”.
“Por isso, senhor relator, na certeza de refletir o pensamento dos moradores de São Paulo, queremos expressar o orgulho que sentimos por ter em nossa polícia o delegado Sérgio Fleury”.
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St Helier, Jersey,17 de novembro de 2012: Antigo amigo dos militares, ainda amigo de José Maria Marin e ainda procurado pela Interpol por lavagem de dinheiro, Paulo Maluf dá risada diante da decisão judicial de que ele é um ladrão que desviou 10,5 milhões de dólares da obra de uma estrada em São Paulo.
Por que ele deveria se importar? Tem 81 anos agora, o governo nunca conseguirá o dinheiro de volta enquanto ele estiver vivo nem conseguirá obter provas suficientes para recuperar os estimados 1,7 bilhões de dólares desviados por ele no decorrer de anos.
Maluf se aproximou dos cofres públicos pela primeira vez quando os generais o nomearam prefeito de São Paulo em 1969. Três anos depois ascendeu ao governo do estado de São Paulo, fez de José Maria Marin seu deputado, e lhe passou as chaves do tesouro estadual em 1982.
O acontecimento mais memorável durante os dez meses de governo de Marin em São Paulo foi ser vaiado na Assembléia Legislativa depois que veio à tona empréstimos suspeitos feitos por um banco federal. Os amigos o indicaram para dirigir a seção São Paulo da CBF.
O desempenho de Marin foi suficiente para impressionar Ricardo Teixeira que o nomeou vice-presidente da CBF em 2008. Quando as revelações que fiz a respeito das propinas de Teixeira o forçaram a sair da FIFA e da CBF, Marin era o substituto conveniente. Ele havia provado que compartilhava dos pontos de vista de Teixeira sobre o futebol; se pode ser roubado, roube. Marin foi flagrado na TV afanando uma medalha do campeonato juvenil.
Três meses depois, o brilhante jornalista esportivo Juca Kfouri desenterrou o discurso de Marin na Assembléia em outubro de 1975, denegrindo Vlado Herzog. Juca culpou Marin pela prisão e morte do journalista. Juca também apresentou aos leitores o discurso inacreditáve de Marin elogiando o torturador Sérgio Fleury.
Um jornalista de São Paulo, que acompanha a carreira de Marin, diz, “Marin não é nem um rato, é um camondongo”.
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São Paulo, domingo, 11 de Novembro de 2012: Um grupo de manifestantes está na frente da casa de José Maria Marin, nos Jardins. Carregando faixas, tambores, tamborins, microfones e um carro de som, os que protestam cantam músicas compostas especialmente compostas para a ocasião. Uma delas pergunta: “Olha a ficha suja do Marin, será que ele é? Será que ele é? Será que ele é dedo-duro?”
Entre eles está Adriano Diogo, do PT, 63 anos que também foi preso e torturado pela OBAN em 1971 e ficou na cadeia alguns anos.
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São Paulo, Quinta-feira, 27 de Novembro de 2012: Adriano Diogo está discursando novamente mas agora como parte de seu trabalho cotidiano. Ele é deputado da Assembléia Legislativa de São Paulo como era José Maria Marin 37 anos antes quando ele atacou a TV Cultura.
“Senhores e senhoras, primeiro eu quero congratular-me com essa nova geração que faz escrachos (nomeando e envergonhando) na porta dos torturadores pela ideia brilhante de ir à casa de José Maria Marin”.
“O senhor José Maria Marin, o delator da ditadura, é responsável pela prisão e assassinato de Vladimir Herzog.” said Diogo. “Ele tem as mãos sujas de sangue, não pode ser o  presidente da CBF.”
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Quarta-feira, 23 de janeiro de 2013: Mensagem oficial. “A Comissão da Organização dos Estados Americanos (OEA) vai investigar a responsabilidade do Estado pela morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, durante a ditadura militar (1964-1985)."
“De acordo com a petição, o Brasil não cumpriu ainda sua obrigação de investigar, perseguir e punir os responsáveis pela morte de Vladimir Herzog."
“O caso Herzog ilustra o fracasso do judiciário durante a ditadura militar brasileira e na democracia”, diz Viviana Krsticevic, diretora executiva do Center for Justice and International Law, sediado em Washington, que veio ao Brasil anunciar a aceitação da petição.
“Queremos saber quem é responsável pelo que aconteceu com o meu pai”, diz Ivo Herzog.
Ninguém vai chamar José Maria Marin para testemunhar? Ele ignorou o convite para comparecer ao encontro do Comitê de Esporte e Turismo em Brasília, deixando o gol livre para Romario.
Port Louis, Maurício, 30 de maio de 2013: Será o início do 63o Congresso da FIFA’s; espera-se dos delegados que endossem as “reformas” do  presidente Sepp Blatter. Será que José Maria Marin do Brasil será o único acusado de cumplicidade em um crime de assassinato?

"Estudantes de jornalismo ainda veem valor nos impressos"

Tradução: Rodrigo Neves, com edição de Leticia Nunes. Informações de Mary Tablante [“Journalism students still see value in print newspapers”, USA Today, 4/2/13]
É uma tendência familiar na imprensa: dificuldades financeiras, demissões, cortes de custos. A ameaça é de que a versão impressa dos jornais desapareça de uma só vez.

Nos EUA, universidades com cursos de jornalismo estão adaptando seus currículos para a mudança do mundo midiático. A Universidade de Maryland, por exemplo, mudou seu foco do jornalismo impresso para o jornalismo em múltiplas plataformas, dando atenção não só para a escrita, mas para áudio, vídeo e interatividade.

Mas o fim dos jornais impressos não é imediato, e, curiosamente, jovens estudantes de jornalismo ainda veem valor em lê-los. Carmina Taylor, uma estudante de fotojornalismo e sociologia na Universidade da Georgia, pensa que ainda é muito cedo para abandonar a mídia tradicional. “A imprensa não virou obsoleta”, diz. “Ainda existem pessoas que não têm acesso aos meios digitais e entram em contato com as notícias pelos meios tradicionais”.

Carmina assina a versão impressa do New York Times – e não a versão digital, porque seus olhos se cansam da tela do computador. A estudante vê outros benefícios no jornal em papel. “Assim eu conheço a estrutura do jornal em vez de só visitar o seu website, onde notícias importantes vão sendo enterradas com as notícias mais recentes”, afirma. “No jornal de papel, a página principal continua sempre a mesma”.

Amber Larkins, que estuda jornalismo em multiplataformas na Universidade de Maryland, lê com frequência o Washington Post e diz que gosta de ter uma cópia impressa do jornal e escrever para a seção de estilo. Para ela, o jornal impresso é uma boa maneira de guardar os artigos que escreve.

“Eu realmente gosto de ver meus artigos exibidos onde quer que seja, mas quando estão em uma edição impressa, sei que sempre os terei guardados”, diz. “Com a Internet, se eu não for cuidadosa e salvar em PDF, posso perdê-los”.

Transição

Uma razão pela qual os jornais não podem fazer a transição entre impresso e digital tão rápido é que a publicidade impressa continua a gerar alguma receita, afirma David Westphal, editor-chefe de um instituto de jornalismo médico na Universidade do Sul da California. “Acredito que muitos jornais esperam que o período em que os impressos continuam a atrair publicidade e público dure o tempo suficiente para permitir uma transição bem sucedida para o mundo digital”.

Para Westphal, os jornais necessitam desse tempo para descobrir como gerar receita através das mídias digitais. Na transição para a mídia online, alguns títulos já passaram a adotar sistemas de restrição de conteúdo, que limitam o acesso do site para assinantes após a leitura de um certo numero de artigos.

“Após um período em que pareceu impossível fazer pessoas pagarem por qualquer coisa, jornais estão encontrando formas híbridas para fazer usuários pagarem por assinaturas digitais”, diz. “Mas a publicidade digital não está se materializando. O mundo digital ainda é muito jovem e não há dúvidas de que haverá outras abordagens e estratégias que provarão ser mais bem sucedidas”. Segundo Westphal, jornais tomaram diferentes abordagens no mundo digital, mas os impressos provavelmente ainda existirão “por muitos anos”.