Crise política e literatura no Iêmen

21:32 Carolina Carettin 0 Comments

A matéria a seguir foi publicada pelo Yemen Times e fala sobre o ressurgimento da literatura no país.



“‘Eu vendi centenas de romances desde junho passado – não literatura estrangeira, mas aqueles escritos por autores iemenitas. Você acredita nisso?!’, disse Abduljabar Al-Attoani, dono da Abu Thaar Bookstorena capital Sana’a.
Apesar da turbulência política e econômica que o país sofre, a literatura nacional teve um inesperado aumento em 2014. Vinte romances foram publicados por autores iemenitas no último ano e, mesmo que pareça um número insignificante no contexto regional ou global, é consideravelmente maior do que os oito livros produzidos em 2013. O número também corresponde à 10% dos livros publicados por autores iemenitas em toda a história do país e, considerando as dificuldades que o país enfrenta hoje, é uma conquista extraordinária.

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O romance iemenita na história
Qarot’s Girl, de Ahmed Al-Sakkaf, publicado em 1927, é considerado o primeiro livro de ficção do Iêmen. Desde então, cerca de duzentos livros escritos por iemenitas teriam sido publicados. Até a publicação de Mohammed Abdulwali, They Die Strangers (1971), marcando o começo da literatura popular no país, apenas oito livros foram produzidos.
A obra-prima de Abdulwali, uma coletânea de 30 histórias traduzidas para várias línguas, introduziu a literatura iemenita no mundo. Sua reputação foi selada um ano depois, com a publicação de Sana’a: An Open City, que conta a história do Iêmen do Norte antes da revolução de 1962 e é considerado um dos melhores romances árabes do século 20.
A popularidade de Abdulwali assinalou um período próspero para a literatura nas décadas de 1970 e 1980 e trouxe atenção renovada para obras menos conhecidas, incluindo Qat Kills Us (1969) e The Victim of Avarice (1970), escritos pela primeira escritora do país, Ramzia Al-Iryani.
O desenvolvimento e o fácil acesso às gráficas, criou um aumento na produção literária nos anos 90. Mas o baixo nível de alfabetização e o pouco apoio do governo, trouxeram mais dificuldades para os escritores conseguirem sucesso dentro do país.
Abdulmalik Al-Qattaa, o gerente-geral do Departamento de Direitos de Autor e Direitos Conexos do Ministério da Cultura, diz que o apoio do governo para escritores e outros artistas paralisou logo após o levante de 2011. ‘Dois ou três anos atrás, nós costumávamos imprimir livros para escritores iemenitas, mas isso não é mais possível. O ministro não consegue imprimir suas próprias publicações, como nossas revistas’, afirmou.

Protestos anti-governo em 2011 na capital Sana’a.

Antes do corte de recursos, o apoio aos escritores veio do Fundo do Patrimônio e Desenvolvimento Cultural, que distribuiria centenas de livros iemenitas em bibliotecas públicas, escolas e feiras do livro.
Os próprios escritores, que são forçados a olhar para o exterior se quiserem ter o seu trabalho lançado por uma editora respeitável, apontam uma falta de desenvolvimento no setor privado. Gamal Hasan, que teve seu livro Memory’s Insects lançado pela editora libanesa Difaf no ano passado, comenta que a maior dificuldade enfrentada por escritores iemenitas é encontrar alguém para publicar seus trabalhos.
‘Trabalhar com editoras locais, que tem pouco conhecimento de marketing e vendas, leva o escritor a lugar nenhum. Novelistas querem ver a reação dos leitores e dos críticos, mas isso não acontece com as editoras iemenitas’, diz.

A história nos romances iemenitas
Como as vendas da livraria Abu Thaar indicam, Al-Attoani (o dono da livraria) está convencido de que a produção literária local oferece um mercado inexplorado. A demanda aumentou, segundo ele, porque há mais escolhas disponíveis e os escritos estão recebendo maior atenção da mídia local.
‘Os leitores querem livros sobre o país em que vivem e com problemáticas que eles possam se identificar’, disse. ‘Muitos dos meus clientes vem à livraria procurando por romances iemenitas, independentemente do autor, eles só querem ler algo sobre a sociedade em que estão inseridos.’
Hatim Al-Azazi, de 28 anos e graduado em literatura inglesa, pensa que a ficção iemenita ganhou popularidade por conta da qualidade da escrita tem melhorado nos últimos anos, que definiu a literatura iemenita no mundo árabe ao longo dos anos. ‘O que é bom na nova geração de autores no Iêmen é que eles estão se rebelando contra o superficial e o estilo maçante dos autores tradicionais e se envolvendo com temas mais interessantes e complexos.’

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Alguns desses tópicos incluem temas controversos no conservativo Iêmen, como religião e igualdade de gêneros, mas Al-Azazi acredita que as gerações mais jovens vão adotar a mudança e dar apoio aos jovens escritores do país.
Independente das diferenças, essa nova geração de escritores têm seus predecessores, no Iêmen e na região. Reem Wajih, professora de inglês em Taiz, diz que os jovens escritores não conseguiriam traçar um novo caminho sem o trabalho dos novelistas tradicionais como Habib Sorori, Ahmed Zain e Ali Al-Maqri. ‘O grande número de livros sendo publicados hoje, que é pequeno comparado com outros países, é resultado das realizações dos escritores iemenitas e árabes tradicionais. Autores jovens vêem isso como um encorajamento para escreverem.’
No entanto, para entender porquê a literatura iemenita está vendo essa demanda e produção sem precedentes, temas abordados em trabalhos contemporâneos podem oferecer ideias mais claras. Crise política, história e questões de identidade tem lugar de destaque no que está sendo produzido hoje.

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Gamal Hasan (Memory’s Insects) acredita que a instabilidade política e econômica no Iêmen e região são os impulsionadores para o ressurgimento da literatura iemenita. ‘O que o país está passando dá aos escritores um propósito para escrever. Eles tentam refletir sobre o que está acontecendo com os próprios trabalhos.’
Hasan também afirma que conflitos sociais e lutas criaram o ambiente ideal para a literatura. ‘Romances retratam o dia-a-dia das pessoas, não as normais ou as felizes, mas vidas que estão cheias de tristezas e dificuldades. Por exemplo, a Rússia: ao contrário do ocidente avançado, a Rússia se tornou um país dominante na literatura durante a segunda metade do século 20, apesar da miserável situação econômica em que se encontrava.’
Al-Azazi aponta a Primavera Árabe como pontapé para a criatividade que se vê hoje. Noções de liberdade e revolução que apareceram em 2011 foram ofuscados por um senso de impasse no desenvolvimento, contudo, e esse revés amarra obras contemporâneas a temas corriqueiros da literatura árabe do século 20.
A nova geração de escritores iemenitas representam uma tentativa de chegar a algum lugar na crise política e social. Observando a história recente, e combinando temas novos e velhos, romancistas procuram um caminho e um senso de identidade. A agitação política em cursa não traz nada de bom ao Iêmen, mas as perspectivas a partir de 2014 traçam uma cena literária promissora.

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