A crise econômica e Keynes

19:37 Carolina Carettin 0 Comments

Fuçando pelo site da Veja, encontrei uma reportagem sobre o recém-lançado "Keynes, Crise e Política Fiscal", de José Roberto Afonso, e achei interessante. Já tinha ouvido de professores que o Estado do bem-estar social tinha suas falhas e algumas podiam ser as vilãs da crise econômica que estamos vivendo. Segue a matéria:

"A crise financeira que estourou nos Estados Unidos em setembro de 2008 e as atuais turbulências por que passa a Europa – que implicaram trilhões de dólares despejados pelo poder público no salvamento de bancos, seguradoras e, no caso europeu, países – reacenderam as discussões sobre o papel do estado na economia. O debate está mais vivo que nunca. Na semana passada, milhares de pessoas foram às ruas de cidades espanholas e gregas para pedir por “mais governo”. Dizeres em cartazes e hinos cantados pela multidão criticaram cortes no orçamento e a redução de subvenções estatais. Como pano de fundo, acadêmicos e alguns líderes políticos têm feito coro à população e clamam por mais John Maynard Keynes na condução da economia – em referência ao brilhante pensador que um dia ousou atribuir ao estado um papel fundamental em momentos de crise. A lembrança é pertinente - mas infelizmente a maneira como Keynes é invocado distorce muitas de suas principais ideias.

Em 1936, Keynes escreveu uma de suas obras mais conhecidas, a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Em vez de repetir o mantra de que o estado não deveria interferir na atividade em hipótese alguma, o economista britânico afirmou que naqueles momentos em que a economia está à beira de um colapso deveriam contribuir como indutores do investimento. A retomada das discussões sobre a teoria de Keynes motivou o economista paulista José Roberto Afonso – funcionário de carreira do BNDES que está hoje cedido ao Senado – a escrever o livro Keynes, Crise e Política Fiscal (Ed. Saraiva, 120 páginas), lançado neste mês. Na obra, ele retoma os princípios da escola keynesiana e aponta o quanto ela foi vítima de interpretações e leituras errôneas. O maior erro, segundo Afonso, é atribuir a Keynes o posto de grande defensor do intervencionismo estatal e dos gastos públicos. Confira entrevista do autor ao site de VEJA.

Por que um livro sobre Keynes?
Em 2008, estourou a bolha imobiliária do mercado americano, com repercussões em todo o mundo, e uma resposta dos estados foi necessária para impedir um colapso global. Nesse ambiente, Keynes emergiu da condição em que estava – de um maldito ou um esquisito – para ocupar posição central nas discussões sobre soluções para a crise. Só se falava nele. Alguns autores respeitados e conhecidos publicaram livros para destacar seu retorno. O que essas obras fizeram foi muito diferente do que faço. O objetivo delas era trazer Keynes para o século XXI, chamando-o a oferecer respostas a dilemas contemporâneos. Era como se lhe perguntassem, por exemplo, “Keynes, como o senhor avalia o mercado de dívida subprimedos EUA?” Mas na década de 1930, época em que ele escreveu suas principais obras não havia subprime! Na verdade, o sistema financeiro não existia tal como existe hoje. Keynes não tem nada a dizer sobre derivativos, pelo simples fato de que eles ainda não haviam sido criados. Por isso, minha proposta foi diferente. Em vez de tentar trazer Keynes à atualidade, decidi voltar ao contexto em que ele estava. Por isso digo que esse livro é menos de teoria e mais de história: um resgate do pensamento do economista Keynes sobre política fiscal e outras questões. 
Essa minha escolha exigiu um trabalho muito grande. O principal livro do Keynes, chamadoTeoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936, possui cerca de 350 páginas na versão brasileira e apenas seis citações sobre política fiscal, por exemplo. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, esta que foi sua principal obra não se dedicou à política fiscal. Não era o tema central do livro, nem o secundário. O pensamento mais relevante sobre esta questão, a meu ver, só vai aparecer em um período posterior, principalmente na época da II Guerra Mundial. Depois de escrever aTeoria Geral é que Keynes começa a fazer reflexões sobre se o estado precisa ou não gastar mais, e em que condições. Isso foi feito em vários trabalhos dele, artigos, palestras, mas não há um livro específico sobre isso.
Se a política fiscal nunca foi o ponto mais destacado da teoria de Keynes, como explicar que esse seja o aspecto de sua obra cravado no imaginário das pessoas?
Keynes é sempre lembrado porque ousou atribuir um papel relevante aos governos numa época em que poucos falavam disso. Até então predominava a chamada “economia clássica” em torno da qual orbitavam conceitos como a “mão invisível do mercado” – que diz que o estado deve ser pequeno e não deve atrapalhar, muito menos se meter nos negócios privados. Keynes não era um revolucionário como Karl Marx. Ao contrário. Acreditava que o estado teria de entrar em ação em certos momentos justamente para salvar o capitalismo. O estado precisa usar seus instrumentos para impedir que uma economia entre em colapso, por exemplo, num momento de crise global.
Alguns países emergentes se têm valido do estado para a aceleração suas economias. Esta não seria o tipo de ação que se pode chamar de keynesiana?
Sim. Minha conclusão sobre a teoria de Keynes é que existe uma distinção clara entre crise e ciclo. A economia sempre se move em ciclos: ora está crescendo, ora decrescendo. A desaceleração da taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de um país – como está acontecendo já há algum tempo no Brasil – é um evento pertencente a um ciclo. Algo muito diferente é o que se viu em 2008, por exemplo. Naquele instante, a  economia mundial sofreu um ataque cardíaco e estava prestes a morrer. Isso é crise: um momento em que se olha para frente e não se sabe o que vai acontecer. A incerteza é tão grande que as empresas param de investir e reduzem a produção. Isso provoca desemprego e logo estamos diante de uma bola de neve. Um empresário começa a demitir e quem é mandado embora passa a comprar menos. É neste momento que o governo tem de entrar comprando e investindo, como, de fato, ocorreu em diversos países em 2008 e 2009. Funciona como uma operação cirúrgica de salvamento. Ao destacar a defesa do estado como socorrista, Keynes inovou naquele tempo e seus ensinamentos passaram a ser muito debatidos. Já o ciclo faz parte da normalidade da economia. Uma hora você olha para frente e acha que vai crescer mais; em outra, espera crescer menos. É diferente da crise, que é uma incerteza radical.
Um ciclo de desaceleração econômica não requer, então, intervenção ostensiva do estado, segundo Keynes?
Exatamente. As pessoas se esquecem que Keynes também deixou claro que não se tem um problema cardíaco todo dia. Ele defendeu que, entrando no jogo para impedir uma crise sistêmica, o estado tinha de sair quando a economia voltasse a crescer. Prosseguindo com a minha analogia, o remédio para uma crise coronária não é o mesmo para quem só tem colesterol alto. Os que se dizem keynesianos, principalmente os mais ortodoxos, afirmam que ele quer um estado forte o tempo todo. Não é nada disso. 
O Brasil está hoje em um ciclo de baixo crescimento ou em crise?
Eu diria que o Brasil está em um ciclo de desaceleração, mas uma parte do mundo – principalmente a europeia – está em crise mesmo. São duas situações diferentes. As empresas brasileiras não estão na mesma incerteza que as da Grécia. Em uma hora de muitas incertezas, o estado pode se fazer presente, mas com investimentos, e não pelo gasto público excessivo em custeio e benefícios. Aliás, quando se olha para um governo que gasta muito como o brasileiro – desde a folha salarial dos servidores até as aposentadorias – à luz da teoria de Keynes, a conclusão é que essa característica funciona como um colchão num cenário de crise. Quando você dá um soco num colchão, o impacto é amortecido. Gastar muito, como faz o Brasil, pode ser providencial quando uma nação precisa de um anteparo contra golpes externos. Contudo, na maior parte do tempo, um país precisa funcionar como uma locomotiva. Nessa situação é preciso investimento das empresas, ao passo que o estado funciona como um freio. E isso está bem claro em Keynes.
Para relembrar quem foi Keynes...
Casado com a bailarina Lydia Lopokova (mas também avidamente interessado em rapazes), ele passou a vida entre as figuras mais notáveis da belle époque londrina. Pode-se dizer que tirou a economia do círculo dos iniciados fazendo dela, pela primeira vez, um tópico de interesse para o público geral. Trinta anos mais tarde, Keynes teria um papel destacado na definição da ordem econômica no pós II Guerra Mundial.
Ele acreditava que a riqueza não era um fim em si própria, mas um meio para levar ao bem-estar - a uma vida de "tranquilidade física, conforto material e liberdade intelectual". Rejeitava enfaticamente o socialismo (e a ênfase dos socialistas na revolução). Por esse motivo, concentrou suas energias na busca de ferramentas que propiciassem uma espécie de estabilização do capitalismo - no sentido de manter as engrenagens da produção de riqueza em movimento perene. O que Keynes mais temia eram forças internas do capitalismo que a longo prazo, acreditava ele, tendiam a levar o sistema à estagnação.

Disponível em VEJA.COM

0 comentários: