Reportagens, de Joe Sacco: jornalismo de guerra feito em quadrinhos

13:47 Carolina Carettin 0 Comments



Um jornalista que cobre guerras e conflitos ao redor do mundo. Até aí nada de diferente, se não fosse o fato de Joe Sacco contar essas histórias em formato de quadrinhos. Reportagens, lançado pelo selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras, reúne seis reportagens feitas pelo autor.

Joe Sacco inicia o livro com um prefácio no qual aborda o jornalismo de quadrinhos. “Sempre que se apresentar jornalismo na linguagem dos quadrinhos, haverá uma tensão entre as coisas que se podem verificar, como uma declaração gravada, e as coisas que não se prestam à verificação, tais como um desenho que diz representar um episódio em particular”, diz. Ainda no prefácio, o autor comenta sobre a importância de representar de forma fidedigna a experiência de uma testemunha ocular. Para isso, Joe Sacco faz perguntas como “Quantas pessoas havia lá? Estavam em pé ou sentadas”, a fim de orientar os leitores.

Uma das questões que pontuam sobre quadrinhos não serem uma forma de jornalismo é a objetividade. Para alguns, é impossível que o quadrinista consiga retratar uma cena ou um fato com imparcialidade a partir do desenho. Porém, para Sacco – e para mim também – não há como um jornalista retratar um fato com “objetividade”. “A jornalista norte-americana que acaba de pôr os pés na pista do aeroporto afegão não se livra de imediato do ponto de vista norte-americano nem abdica de toda pré-concepção para gravar novas observações em tábula rasa”, afirma. Um exemplo de jornalismo de quadrinhos lançado recentemente é Madaya Mom, uma parceria entre a Marvel e a ABC News, baseado em blogs da emissora na cidade síria de Madaya com relatos anônimos de uma mulher que vivencia a crise de fome no local.  

Ao longo do livro, Joe Sacco demonstra a seriedade com que apresenta os conflitos e com que trata seus personagens, geralmente as vítimas diretas da guerra. Aliás, Sacco aparece como personagem ativo, estando presente em alguns quadros, além de, claro, ser o narrador das reportagens.

Uma delas, chamada “Imigrações”, talvez seja a que melhor demonstre sua participação ativa mais presente. Nela, o autor trata de imigrantes africanos que chegam à Ilha de Malta, país onde nasceu. Ele começa apresentando a visão dos malteses sobre os imigrantes e como suas vidas estão mudando por conta disso. Depois, é a vez de conhecermos melhor alguns africanos e todos os perrengues que passaram para chegar até a Ilha.

“De um lado, como maltês, imaginei que os habitantes seriam menos reticentes comigo quanto ao que realmente pensavam dos africanos que desembarcam na ilha. (…) Por fim, esta história seria facilmente contada da perspectiva dos africanos, que eram fáceis de abordar nos campos e centros onde viviam ou nas ruas, enquanto procuravam emprego. (…) Embora seja óbvia minha simpatia para com os migrantes, que suportaram dificuldades tremendas para chegar a um lugar tão pouco receptivo, sejam quais forem seus motivos para atravessar o mar Mediterrâneo, achei que era meu dever tratar os medos e apreensões dos malteses com seriedade.”

Já outra reportagem, sobre a guerra da Chechênia, chama a atenção por partir do ponto de vista de mulheres, geralmente viúvas que sustentam a família. É o caso de Zara, uma refugiada interna (RI) que era responsável pelo marido, dois sobrinhos e os sete filhos. Para conseguir levar comida para casa, Zara trabalhava em dois lugares, somando 17 horas diárias de trabalho, sendo esta apenas uma das histórias de viúvas de homens mortos e de homens vivos.

O livro ainda traz reportagens sobre o conflito entre Palestina e Israel; o Tribunal de Haia; a Guerra do Iraque e os “intocáveis”, uma das castas mais baixas da Índia que sofrem com a miséria, a fome e a corrupção de seus superiores.

Para o leitor compreender completamente as reportagens, considerando o contexto histórico, os jogos políticos e econômicos, é preciso pesquisar um pouco enquanto lê. Sacco auxilia no entendimento ao colocar seus comentários ao final de cada reportagem, num texto separado em que explica onde a matéria foi publicada e as dificuldades de realizá-la, por exemplo.

Por fim, o autor nos mostra o lado humano da guerra, que vai além dos números de mortos, tão presentes em coberturas jornalísticas tradicionais, principalmente se pensarmos em conflitos que envolvem o Oriente Médio.

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